sexta-feira, 25 de abril de 2008

Tremendas ciganagens

Eu nunca me fantasiei de cigano. Preferia pirata. Pirata rico.

Pirata rico era com calça de smoking, faixa de cetim vermelho na cintura e um brinco no lóbulo da orelha direita.

Pirata pobre tinha venda no olho, facão vagabundo de madeira na cintura, chapéu ridículo na cabeça.

Eu apreciava as ciganas. Ricas ou pobres. Ciganas, havaianas e tirolesas.

Só muito mais tarde é que as duras realidades da vida vieram me desancar no meio do salão desta vida.

Deixei de usar calça de smoking e brinco, esqueci a letra de Pirata da perna de pau, parei de cheirar lança-perfume.

Era terno e gravata, lotação, centro da cidade e 9 às 5 na agência de publicidade tentando convencer os tolos a comprar coisas de que não necessitavam.

Não era difícil. Chato apenas.

Ciganas, havaianas, tirolesas, todas sumiram. Passaram a vestir azul e branco de normalista, ou saia e blusa de vendedora das Lojas Americanas.

O carnaval é uma ilusão, diziam todos azulejos. Pura verdade.

E tome verdades puras e duras

Agora, aí estão as ciganas e seus respectivos fazendo seu próprio carnaval aqui em terras de Dona Rainha Elizabeth.

Os ciganos não são devidamente apreciados aqui.

Aquela versão de The Gypsy, que o Orlando Silva gravou, não faria o menor sucesso.

Até mesmo a gravação original, tão bonita no solo do tenorino Bill Kenny, eles, os britânicos adoram, mas a colocam numa distância irreal - você só encontra em CDs de antologias de sucessos dos anos 40.

Os ciganos, talvez por motivos fonográficos, talvez por serem mesmo misteriosos, convictos de suas próprias origens obscuras (dizem que gypsy vem de egyptian, egípcio, como a esfinge e o pai do namorado da falecidíssima princesa Diana), preferem manter um silêncio digno.

A dignidade, ao que parece, foi o que lhes sobrou. E o pé na estrada.

Tentaram, os politicamente corretos, apodar (apodar?) os ciganos de "viajantes", ou, como a mídia espalha aqui, travellers.

Na vida prática, é cigano ou gypsy mesmo. Beirando, ou se despencando, desaforo abaixo.

A cigana me enganou

Até mesmo os ministros de Estado estão sujeitos à proximidade ciganal.

Não adianta tentar fugir da realidade cigana. Não adianta fazer boca de siri no que diz respeito ao que acham ou não acham de cigano, cigana, viajante, sua prole e seguidores. (Parêntese para uma perguntinha: há algo mais triste no mundo do que, não sendo cigano, sair mundo afora atrás deles?)

Vejamos o caso de Tessa Jowell, nomeada ministra para os Jogos Olímpicos de 2012 a se realizarem aqui neste país.

Não é bem uma seguidora ou vivandeira de ciganos. A ilustre mora numa boa casa de campo no condado de Warwickshire.

Mês passado, num fim-de-semana, uma leva (se esse é o plural dos ciganos-viajantes) da turma errante aproveitou a brecha e se instalou de armas e bagagem num hectare adquirido legalmente, algum tempo antes, por um representante do pessoal em questão.

Possivelmente, compareceu à agência imobiliária encarregada da venda sem brinco na orelha ou lenços na cabeça e pescoço.

Pagou bonitinho a quantia exigida pelas terras e, no sábado e domingo seguido de feriado, mudou-se com suas caravanas, alugou escavadoras para abrir facilidades sanitárias, instalou um sistema de suprimento de água e puseram-se todos a fazer as coisas que os ciganos-viajantes supostamente fazem.

Não creio que seja apenas tacar estacas no chão anunciando que lêem mãos ou vêem o futuro das pessoas em bolas de cristal.

Que fique claro, os ciganos também não roubam criancinhas para a procriação de novos ciganinhos-viajantes.

Um dos ciganos, entrevistado por uma das inúmeras reportagens que vivem cobrindo este país, disse que, para ser franco, não sabia que estava na proximidade de uma olímpica ministra.

Nome do homem era e é Zack Follows, tem 31 anos, 4 filhos e convidou Tessa Jowell para vir visitá-los, a ele e seus companheiros de ciganagem-viajante, quando bem entendesse.

Acrescentou um fato interessante: "Somos seres humanos. Temos de fazer habitáveis nossas cercanias."

A ministra Tessa Jowell teve o cuidado de não se pronunciar a respeito da mudança. O que já dá uma pala, confere?

Nada ter a observar ou acrescentar, principalmente em se tratando de político, conta mais de um hectare da história.

E, por falar em história, aí está sua moral: qual é a novidade, qual é o problema dos ciganos-viajantes se instalarem onde bem entenderem? Basta cumprir as devidas exigências legais.

Cigano não é notícia. Preconceito contra é. Não vi nota nenhuma defendendo (de que, meu Senhor, de que?) os ciganos. Ou mesmo os viajantes.

Como ex-cigano rico, sinto-me atingido em meus brios.

De sacanagem, passarei este fim-de-semana de brinco e calça de smoking.

Vendo em DVD aquele trecho de O toque da maldade, do Orson Welles, onde Marlene Dietrich, de cigana, moreníssima, faz bocas esplêndidas e diz coisas maravilhosas.

Fonte BBC Internacional

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Governos europeus não adotam medidas para integrar os 10 milhões de ciganos


Alicia García de Francisco Redação Central, 7 abr (EFE).- Os Governos europeus têm conhecimento dos problemas dos ciganos, mas não adotam medidas para integrar esta minoria formada por mais de dez milhões de pessoas que sofrem ataques violentos, são impedidos de imigrar e, sobretudo, são vítimas de preconceitos por parte do resto da população
.

Amanha 8 de Abril é o Dia Internacional dos Ciganos e, apesar de os Governos europeus terem "tomado consciência" da precária situação na qual a maior minoria étnica da Europa vive, poucos foram os passos dados para melhorar suas condições de vidas, afirmou hoje à Agência Efe o responsável da Divisão de Ciganos do Conselho de Europa, Michael Guet.

"Foram registradas algumas melhorias nos últimos dez anos", disse, exemplificando com o fato de haver uma melhor representação dos ciganos em estruturas políticas, "mas é só o primeiro passo" e resta muito a fazer em educação, acesso ao mercado de trabalho, liberdade de deslocamento e inclusão social.

Há "grandes problemas, principalmente devido aos preconceitos contra os ciganos", razão pela qual o Conselho da Europa iniciou em 2006 uma campanha para tentar combater a questão.

A proposta, chamada Dosta, inclui formação de jornalistas, concursos em escolas e programas de sensibilização tanto da população quanto das autoridades locais.

É uma iniciativa que já funciona na região dos Bálcãs e que este ano será ampliada para Ucrânia, Moldávia, Itália e, possivelmente, Romênia.

Estudos recentes citados pela Comissão Européia (CE) assinalam por exemplo que 79% dos tchecos não gostariam de ter ciganos como vizinhos, enquanto na Alemanha o percentual é de 68%.

"O tratamento dos ciganos é, atualmente, um dos problemas políticos, sociais e de direitos humanos mais urgentes os quais a Europa enfrenta", acrescenta a CE.

Há pouco mais de um ano, o comissário europeu de Emprego e Assuntos Sociais, Vladimir Spidla, afirmou que a situação dos ciganos era "inaceitável do ponto de vista ético, social e humano" e a qualificou de "ameaça para a coesão social na Europa".

Apesar disso, pouco mudou desde então.

No dia 31 de janeiro deste ano, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução na qual defendia "erradicar" a favelização como forma de propiciar a integração social da minoria cigana.

O texto afirma que, neste tipo de assentamentos, "não existem normas de higiene nem médicas de qualquer tipo" e indica que "um grande número de crianças ciganas morrem em acidentes domésticos, em particular, incêndios".

Além disso, denuncia a exclusão que a população cigana sofre nos sistemas educacionais e médicos de alguns países da União Européia (UE).

E, embora a situação seja especialmente ruim no Leste Europeu, onde se concentra a maioria da população cigana do bloco, os problemas se repetem na maioria dos países onde vivem membros desta etnia.

Os ciganos se concentram principalmente na Romênia (com 1,8 milhão de pessoas desta etnia) e Bulgária (800 mil), mas há grandes povoações em Espanha (cerca de 650 mil), Hungria (600 mil), Sérvia (600 mil), Eslováquia (420 mil), França (400 mil) e Reino Unido (300 mil), segundo estimativas do Conselho da Europa.

E os preconceitos da população européia contra os ciganos são uma das razões pelas quais estas pessoas encontram grandes empecilhos na hora de viajar a outro país.

A situação é particularmente delicada na Itália, onde há alguns meses 39 ciganos romenos foram expulsos por motivos de segurança; na França, onde os obstáculos administrativos impossibilitam que possam conseguir uma permissão de estadia nos três meses determinados pela lei; e no Kosovo, de onde são reenviados para Sérvia ou Macedônia.

Por essa razão, o Conselho da Europa vai elaborar um relatório este ano para ter "uma visão de conjunto das migrações de ciganos e de por que há tantos obstáculos em nível europeu" para sua movimentação, afirmou Guet.

Também é preocupante o aumento dos movimentos violentos contra os ciganos por parte de grupos neofascistas, situação que ocorre tanto no leste como no oeste da Europa.

Soma-se a isso as expulsões de ciganos de países da Europa - apesar de que muitos deles procedem de Estados-membros da União Européia -, que são realizadas, em algumas ocasiões, com violência policial, à noite e quando a temperatura ambiente é menor que 10 graus Celsius abaixo de zero, disse o especialista.

Segundo relatório do Banco Mundial (BM), em alguns casos os ciganos são até dez vezes mais pobres que o resto da população européia; sua expectativa de vida é entre 10 e 15 anos menor que a média e sofrem altos níveis de discriminação nos setores de educação, trabalho, casa e saúde.

Apesar de os países terem se comprometido com reformas, "é preciso admitir que levará muito tempo para conseguir apoio popular entre as maiorias das povoações", afirma o BM. EFE agf/db

Fonte Jornal Ultimo Segundo

sexta-feira, 11 de abril de 2008

MORTE

A morte é uma curva na estrada.

Morrer é só não ser visto.

Fernando Pessoa

F

alemos da morte... É um terror que nos afeta, é a origem de nossos piores pesadelos, mas na verdade ela é nossa garantia de vida. Imagine que nossa vida só vale porque sabemos que morreremos algum dia e que seja muito longe esse dia. Se a morte não existisse, a vida seria uma chatice imensa, uma monotonia inefável, um sonho mau, sem fim: a não-vida. Já imaginou este mundo sem a bendita morte? Os matusaléns se arrastando por aí; os doentes terminais que jamais terminariam o seu sofrer; os acidentados; os queimados... Isto sim, seria um horror. Acho até que aquele pensamento de René Descartes: Cogito ergo sum careceria de sentido ontológico se não existisse a morte. Assim, considero a morte a mais justa da condição humana. Deus foi piedoso ao nos conceder a mortalidade. Ele, sapientíssimo, boníssimo, sumo da justiça deu ao homem a vida e a morte: o círculo, o Samsâra. São partes deste círculo as fases: nascer, crescer, trabalhar, vencer (ou ser derrotado) e... morrer. Alguns até admitem o renascer mas fiquemos por aqui. Na verdade, ao morrermos nascemos para a vida eterna.

Quando eu me for (não ficarei para semente), não chorem por mim (isto caso haja alguém com esta intenção), considerem que a renovação humana é necessária. Eu terei cumprido meu destino (bem ou mal). Digo destino, porque tudo estava escrito. Eu não tive livre-arbítrio (ninguém o tem). A morte é só um evento e conseqüência da vida. Sobre morto e morte os ciganos têm uma visão pragmática digna de registro. Ela (morte) e o morto não se leva em conta; a vida, sim é importante. Anoto um diálogo de George Borrow, sábio, pregador, inglês, que dominava mais de cem idiomas (o Romani também), quando foi reconhecido por um antigo amigo cigano, após alguns anos de ausência. O diálogo está às p. 165/166, no livro Lavengro (mestre das palavras):

“Eu vagava por uma charneca e cheguei a um lugar onde um homem estava sentado perto de árvore nodosa, seus olhos intencionalmente voltados para o sol vermelho que ora se punha”.

    É você Jasper?’

    Verdade, irmão!

    Não nos vemos nos últimos anos.

    E deveríamos, irmão?

    O que o traz aqui?

    A luta, irmão.

    Onde estão as tendas?

    No lugar de sempre, irmão

    Alguma novidade desde que parti?

    Duas mortes irmão.

    Quem morreu, Jasper?

    Papai e mamãe, irmão.

    Onde eles morreram?

    Onde foram enviados, irmão.

    Onde está a senhora Herne?

    Está viva, irmão.

    Onde está agora?

    Em Yorkshire, irmão.

    Qual é a sua opinião sobre a morte, senhor Petulengro? Eu disse enquanto sentava ao lado dele.

    Minha opinião sobre a morte, irmão é a mesma dada pela antiga canção do Faraó, que ouvi minha avó cantar:

      Canna marel o manus chivios ande puv,

      Ta rovel pa leste o chavo ta romi.

      [quando um homem more é enterrado

      Seu filho e sua mulher pranteiam por ele]

Quando um homem morre, ele é jogado na terra, sua mulher e criança lamentam por ele. Se ele não tem mulher e filho, então choram seu pai e mãe, suponho; mas se ele é só no mundo

Então ele é enterrado e não se fala mais neste assunto.

    Você pensa que este é o fim do homem?

    É o fim dele, irmão, mais é piedade.

    Por que você diz assim?

    A vida é doce, irmão

    Você pensa assim?

    Penso assim! Há a noite e o dia, irmão; ambos coisas doces; o sol, a lua e as estrelas, irmão: tudo coisas boas. Há, igualmente, o vento e calor. A vida é muito doce, irmão, quem desejaria morrer?

    Eu desejo morrer ——

    Você fala como (górgio) não-cigano, que é o mesmo que um tolo. Se você fosse um romani você falaria sabiamente. Desejo de morrer... verdade! Um romani Chal (cigano) desejaria viver para sempre!

    Mesmo na doença, Jasper?

    Há o sol e estrelas, irmão.

    Na cegueira, Jasper?

    Há o vento e o calor, irmão; se eu puder somente senti-los, eu me alegraria em viver para sempre. Basta! Vamos entrar agora em nossas tendas e pôr nossas luvas. Tentarei fazê-lo sentir como é bom viver, irmão.

Nesta conversação, podemos sentir a simplicidade do cigano, para o qual a alegria de viver é tudo. Ele vive intensamente o dia-a-dia e não se importa com o além, com o amanhã e com o ontem, segundo sua filosofia:

Amanhã será o que tem que ser; ontem foi o que tinha que ter sido. E, basta!

Para que não se diga que externo opinião pessoal vou, em seqüência, transcrever do livro de Jean-Paul Clébert o que ele nos ensina sobre tema tão sombrio (morte) e como ciganos de diversos grupos encaram tal dilema. Está escrito em The Gypsies, subitem Death and funeral rites, pp. 187/188/189.

    Cigano não morre na cama. Como alguns povos como esquimós [inuits] que fogem da vista de outros para morrer, na neve. Como prova final de desapego, o cigano entrega sua alma fora da tenda ou da caravana. Não mais do que o nascimento, pode a morte poluir o lar, mesmo temporariamente. Assim, a mulher dá à luz em frente à tenda ou caravana. A regra, mesmo para a pessoa morrendo, é que a porta deve estar escondida atrás da tenda, ou então em um buraco feito na parede da choça. Obviamente, o uso de caravana destruiu este rito. Durante a doença de Mimi Roseto, a matriarca dos ciganos piemonteses, os membros da família tiraram-na da cama e a puseram em um colchão ao chão, do lado de fora.

    Os serviços funerários começam antes da morte, à luz de vela e som de lamentações. Mas, geralmente os assistentes se conformam em esperar, sem mostrar demasiada emoção; a qual não é mostrada externamente, até depois da morte. Os indivíduos continuam o ‘papo’, fumam e bebem diante da pessoa que está morrendo.

    O corpo do defunto é lavado em água de sal (ciganos da Inglaterra), é vestido com novas roupas, freqüente um grande número (cinco, saias se mulher). Entre os kalderash, a pessoa que morreu, é preparada, se viveu assim, durante a vida. O padecente tem a satisfação de se ver bem vestido para a ‘grande-jornada’.

    Anunciada a morte, a tribo inteira começa a lamentar e chorar, mesmo gritando. Homens e mulheres soluçam e choram amargamente, mostrando muita tristeza e não há razão para acreditar que sua dor seja fingimento. Entre alguns grupos, as lamentações continuam a noite inteira e então trocam o ritmo do canto. Suas faces são literalmente contorcidas pelo sofrimento. Mesmo crianças gemem como se tivessem sido surradas.

    O rasgar de roupas começa algum tempo depois da morte, algumas vezes três dias após, o corpo é colocado no caixão, mãos cruzadas no peito ou ao longo do corpo (ciganos cristãos dos Bálcãs). Os ciganos ingleses e escoceses põem jóias no morto e alguma moeda de ouro na urna. De acordo com Jules Bloch, com eles são colocados alguns objetos úteis para a jornada no outro mundo: garfo, faca, violino... Anteriormente, entre os ciganos espanhóis, uma guitarra ou mandolim foi colocada nos braços de um falecido. Então, um membro de sua família acusou-se em voz alta de ter cometido pecados e desafiou-o: “toque e se fiz errado, possa sua música tornar-me surdo; mas se fiz certo, não se mova e receberei absolvição.”

    Antes do enterro, nos Bálcãs o morto é carregado em uma eça e exibido pelas estradas ou ruas. Na Romênia e Rússia ele é levado sem cobertura, isto é usado na Europa Ocidental.

    O enterro tem diversas formas. Há influências cristãs e muçulmanas. Se o cigano for católico, o enterro é feito conforme os ritos da igreja, mas os detalhes permanecem típicos dos ciganos. Assim, em adição à mão de terra, jogada sobre o caixão, algumas vezes moedas o notas são jogadas. A aspersão de água é feita à mão, o aspersor não é usado. Na Inglaterra isto assume inesperada feição: a água é substituída por cerveja. No túmulo do famoso Boswell, um cigano-chefe que morreu em 1820, em Doncaster, os acompanhantes derramaram um jarro de chope. Este ato foi repetido durante anos, na ocasião da peregrinação ao cemitério. Na Europa do Leste os assistentes bebem vinho em volta do túmulo do morto, brindando: ‘Te avel angla ei (Parni), ei sev le (feroski); em honra de (Parni), daughter of (Fero)’1

    Jules Bloch nos dá surpreendente descrição do funeral de uma mulher morta em Londres, em 1911: ‘... Antes de arriar o caixão, um buraquinho foi feito nele, adiante do pé esquerdo. Isto pode ser comparado com o costume romeno, onde são feitos dois buracos acima da cabeça, para respiração e de acordo com uns e outros, para ouvir melhor as lamentações. Uma vez que o caixão tenha sido baixado, o chefe derrama um pouco de rum ao lado do caixão, degusta, ele mesmo, o rum e passa a garrafa em volta.’

    Usualmente, músicos tocam seus instrumentos durante a descida à sepultura. Algumas vezes, durante a transferência para o cemitério, parentes distribuem dinheiro para as testemunhas, especialmente crianças. Entre alguns grupos, crianças não assistem funerais.

    Para ter certeza que a morte realmente ocorreu, os kalderash de Paris e da Suécia (?) furam o coração de o morto com longa agulha. Isto é um rito ordinário pra proteção contra fantasmas ou mulé, o que chamamos alma.

    No passado, principalmente na Europa Central, o real rito funerário de um chefe cigano tomou um caráter mais simbólico: o defunto foi colocado em um carroção pintado de branco com intenção que ele faria a jornada de migração em reverso (retorno). Isto pode demorar um longuíssimo tempo, quando muitas fronteiras têm de ser cruzadas. Então, o rasgar de roupas aconteceu em segredo total, e nenhum não-cigano pode estar presente.

    Outro costume que está desaparecendo, que nos parece baseado em nada, mas suspeito contar, teria a pessoa morta de ser lançada em um rio. O escritor germano Achim von Arnim, na sua história, Isabella do Egito, usou [esta lenda] em ritos funerários ciganos (suas fontes não foram checadas) e registrou que quando um cigano é enforcado, seus companheiros pegam seu corpo durante a noite e deixam-no ser levado pela corrente de um riacho ‘a fim de que ele possa encontrar seu povo’. Finalmente, é certo entre as tribos da Ásia Menor que depois de alguém ter morrido, uma jovem discretamente dirige-se sozinha ao banco de um rio e faz deslizar pequena prancha, onde pôs vasos nos quais beberam e acenderam velas. Esta tradição parece ser de origem indiana.

    Alguns ciganos quebram o dedo mindinho do morto, antes de pô-lo na cova e com linha vermelha amarram ao dedo quebrado um pedaço de prata. Isto é relativo à tradição do óbolo de Caronte.

    Após o enterro, é necessário repartir as roupas e coisas pessoais do morto. Aqueles que podem ser descartados da caravana, são jogados, queimados, ou... vendidos. Em todos os casos nenhum membro da tribo herda nada dele. É possível que o sacrifício de cavalos seja parte deste costume. Obviamente, queimar o carroção é um enorme sacrifício. Na maioria dos casos, os ciganos se satisfazem em repassá-lo para algum membro, de outra tribo ou ao mercador de ferro velho (sucateiro). Esta última concessão é aceitável: repintá-lo completamente, antes de usá-lo de novo como habitação.

    Permanece o assunto pra se proteger contra a possível volta do morto na forma de fantasma, vampiro ou mulé. Os ciganos húngaros colocam no túmulo um espinheiro, que é suposto evitar que o morto saia. Na Grécia, uma pedra pesada (freqüentemente confundida como lápide) preenche a função. Na Inglaterra, Irlanda e Escócia os ritos permanecem estanhos: é proibido pentear o cabelo, lavar-se maquiar-se por considerável período.

    Precisa-se ter capacidade para comparar estes costumes com europeus e o folclore do oriente-médio. A propósito, como exemplo, aqui é uma conexão que pode se estabelecida entre ritos ciganos da Espanha e os do País de Gales. Na Espanha, um leitor acabou de ver um membro de a família fazer autocrítica diante do túmulo; em Gales, eles têm ‘o bebedor do pecado’. Este é geralmente um pobre-diabo, pária, que sob pagamento em alimento, torna-se expiador de pecado, para o morto.

    Os ciganos não têm culto em cemitérios. Uma vez o enterro terminou, o lugar do enterro praticamente é esquecido. Somente os sintos2 vão regularmente ao túmulo dos que partiram, em dias santos de guarda; mas, o nomadismo e peregrinações freqüentes dificultam a visita. Quando acontece, os ciganos comem, bebem perto da sepultura, cuidando-se para não esparzir bebida e comida neles próprios.

    Mencionemos finalmente, os cantos funerais ciganos, que incluem alguns dos mais belos poemas. Eles são improvisadores e nunca repetem. Este caráter efêmero confere-lhes grande valor, mas como escrever estes salmodiosos cantos em voz grave, que cantam em repouso do morto e cheio de bazofias?

Vamos sintetizar o testemunho de Grellmann3. Ele nos ensina (tradução livre):

    Cigano morre de velho. É muito incomum morrer cedo ou ainda criança. O amor pela vida vai além de nossa capacidade em descrevê-lo, mesmo nas mais perigosas doenças. Eles acreditam nas forças da natureza ou na boa-sorte.

Hoje em dia os tempos são outros e ciganos já recorre a medicina dos gadjês, mas permanecem em vigília constante perto do hospital até que o rom tenha alta.

FINIS

Asséde Paiva

www.ciganosbrasil.com

abril, 2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Direitos ciganos


Cartilha do governo federal busca tirar da marginalidade o povo nômade, que pode somar um milhão de pessoas no Brasil

Por Flávio Novaes

Cobrador infalível, com dente de ouro, ladrão de criancinhas, exímio comerciante e, ainda, nômade eterno. O cigano do imaginário comum está com os dias contados se depender da cartilha Povo cigano – O direito em suas mãos, lançada quinta-feira passada, em Nova Iguaçu, interior fluminense. A obra, publicada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, busca tirar da marginalidade o povo que, de acordo com a tradição, não tem pátria e se sente estrangeiro na terra natal.

A publicação, voltada exclusivamente para o grupo, reúne 29 reivindicações apresentadas durante a 9ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 2004, e a 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em 2005, ambas realizadas em Brasília. O livreto, que traz ainda informações sobre história, costumes, direitos e curiosidades, foi editado em parceria com as secretarias Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) e a Fundação Santa Sara Kali. “Ali estão as demandas apresentadas por eles e muitas dicas também, para que eles aprendam a exercer, usufruir e garantir seus direitos”, explica Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. “Vamos ainda distribuir as cartilhas em todos os acampamentos ciganos pelo país afora”, completa, explicando uma das ações do projeto para o resgate da cidadania. Os ciganos baianos já aguardam a visita.
Orientações sobre aposentadoria, educação, segurança, justiça e Bolsa Família integram a publicação. O passo-a-passo para integrar o programa federal Bolsa Família, por exemplo, é apresentado com destaque. “O problema é que eles precisam registrar os filhos e comprovar que não têm renda, o que cria dificuldades para obter o benefício”, afirma Cipriano.

Além da cartilha, cartazes com informações consideradas essenciais serão fixados nos acampamentos. Segundo o subsecretário, o telefone de entidades como o Ministério Público terá papel essencial para a população. “Quando alguém chegar reprimindo, eles vão ter a quem recorrer”, afirma.

Um das principais características do cigano, porém, está em baixa, ou melhor, estática: o nomadismo. De acordo com os especialistas, o aumento da violência e as comodidades da vida moderna fazem vigorar a idéia de que o objetivo é permanência, forçada ou não. “Hoje, mais da metade do povo está sedentário”, afirma a advogada Mirian Stanescon Batuli, presidente da Fundação Santa Sara Kali, que homenageia a única cigana santificada na Igreja Católica.

Militante das causas do seu povo, Batuli mora em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, local onde existe grande número de ciganos, o que foi usado como justificativa para o lançamento da campanha. Batuli considera que, desde a realização da Conferência Nacional, a instituição do 24 de maio como o Dia Nacional do Cigano é uma das conquistas mais importantes para o povo. A data é dedicada a Santa Sara Kali, padroeira universal dos ciganos.

A SEDH não tem o número exato de ciganos no Brasil, em acampamentos ou já fixos nas cidades. Estima-se que pode chegar a um milhão. O grande número e o caráter próprio da nação cigana, inquieta pelos quatros cantos do mundo, dão margem a diversas lendas. A advogada Batuli rebate as afirmações sobre o povo que, segunda ela, são típicas da mentira contada muitas vezes até se transformar em uma verdade. “Tudo o que foi escrito sobre cigano, foi escrito por não-cigano”.

Povo invisível - Na Bahia, a referência na luta pelos direitos dos ciganos é o padre Wallace Zanon, coordenador nacional da Pastoral dos Nômades e administrador da Paróquia de Cora Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no extremo sul do estado. “A cartilha chega com atraso, ninguém olhou para eles, parece que eles são um povo invisível”, afirma.

Também não há o número exato de ciganos na Bahia. Segundo o padre, eles estão espalhados, principalmente no extremo sul, em municípios como Teixeira de Freitas, Itamaraju e Eunápolis, passando pelo sertão, em Irecê, e no recôncavo, chegando a Camaçari e Salvador. “O preconceito impede que eles tenham acesso à escola e possam tirar documentos”, diz ele, que há 20 anos trabalha com os povos ciganos. “O Aurélio antigo definia o cigano como ‘sujeito trapaceiro’. Mas conseguimos mudar isso, já é um avanço”, finaliza.

Fonte Correio da Bahia

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Número de ciganos que vivem em acampamentos no Brasil é estimado em 250 mil

Alana Gandra, da Agência Brasil

Estima-se que existam atualmente no Brasil cerca de 6 mil acampamentos ciganos. De acordo com a Pastoral da Criança, os acampamentos abrigariam mais de 250 mil ciganos. Não há, porém, dados precisos a respeito. Por isso, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) pretende elaborar um levantamento mais aprofundado sobre o povo cigano.

O subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da SEDH, Perly Cipriano, informou que os primeiros abordados deverão ser os ciganos acampados, que são nômades ou semi-nômades, e depois os que já vivem em centros urbanos. "Muitos já estão vivendo na periferia, por isso é necessária uma política de geração de emprego e renda para eles.” Segundo Cipriano, serão estudadas medidas que poderão dar aos ciganos inclusive direito à aposentadoria, desde que contribuam para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Ele informou que está sendo criado em Brasília um centro de referência dos direitos do povo cigano. “Vai ter advogado, psicólogo, estagiários, que vão ajudar na defesa desse povo.” O centro fará a distribuição das cartilhas sobre os direitos deles, que foram lançadas na semana passada, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminese, e dará orientações aos ciganos sobre como agir em determinadas circunstâncias.

Cipriano destacou que é necessário o envolvimento dos que não são ciganos na causa desse povo. “Quem não é cigano precisa ter conhecimento também da causa cigana." Segundo ele, a falta de documentos impede o atendimento deles por programas sociais. "Queremos que o cigano tenha acesso à Bolsa Família, mas como é que ele vai ter Bolsa Família, se não tem documento?”. De acordo com o subsecretário, o governo já está preparando material sobre o registro civil de ciganos.

Para ele, é necessário ainda que o Ministério da Educação desenvolva um ensino específico para os ciganos nômades. “Se a criança não está na escola e não tem documento, não tem direito à Bolsa Família”, explicou Cipriano. Ele disse que a medida beneficiaria, sobretudo, os ciganos pobres dos acampamentos.

Perly Cipriano acredita que tais medidas contribuirão para valorizar e fortalecer esse povo. “E para conseguirmos fazer com que a sociedade não tenha nenhum tipo de preconceito contra o cigano, respeitando e valorizando esse povo, com a sua cultura e tradição.”

Fonte Jornal a Tarde