Bruno Arce |
O acampamento da família cigana “Rorananoa”, do Paraná, chama a atenção de quem passa pela Rua Pacífico Lopes Figueira, no Jardim América, em frente ao Parque de Exposições Laucídio Coelho, em Campo Grande. As barracas grandes, na área em frente ao Comando do Corpo de Bombeiros, e a presença de veículos e crianças tornaram o ambiente semelhante a um camping.
Outro grupo de ciganos também está na Praça Ary Coelho, região central da Capital.
No Jardim América, são seis adultos e seis crianças com costumes e dialetos típicos. Não é possível entender o que é dito. O português tem um leve sotaque de quem nasceu no Paraná, de onde os Rorananoa são.
O líder do grupo, Cristiano Stevano Vit, de 21 anos, disse que há três anos a família escolhe aquele lugar para se instalar quando vem à Capital. “Somos mascates, vendemos enxovais nos bairros, nas casas”, diz.
Na entrada do acampamento, dois veículos Fiat Strada, com carroceria, e toda infra-estrutura de camping – fogão, tapetes, cadeiras e sofás – demonstram que ali a falta de paradeiro nada tem a ver com pobreza.
“A gente trabalha. Meu tataravô já era cigano. Não tem jeito de nascer e querer outra vida porque está no nosso sangue”, diz Vit com o filho de 8 meses ao colo.
Sorte
A leitura das mãos, que para muitos não passa de golpe, truque para conseguir dinheiro fácil, é segundo a cigana Daniela Stevano, de 21 anos, mulher de Vit, outra tradição.
O que é dito, tem que guardar segredo, diz. Só as mulheres ciganas têm o dom.
Vit explica que a sua família se concentra na região do Paraná, mas há centenas de outras que percorrem o Brasil e são conhecidas em diferentes estados.
O mistério em torno da vida e tradição tem a ver com os preconceitos e medos.
Nas cidades pequenas até ameaças da polícia o grupo já sofreu. “Falam que somos ladrões. Tem muito brasileiro ladrão por ai. A gente trabalha e muito. A gente tem que conversar e explicar quem somos ai nos respeitam”, relata Vit.
As crianças, segundo ele, são criadas junto aos pais e aprendem ler e escrever com eles. Por algum tempo eles ficam num único lugar para que os filhos possam estudar, mas logo colocam o pé na estrada. Os Rorananoa conhecem todo o Brasil e já estiveram no Uruguai, Bolívia e Paraguai.
Vit relata que uma vez, em Campo Grande, moradores de rua pediram para ficar junto ao grupo. “Com papelão, eles arrumaram uma cama para eles e dormiram com a gente”, lembra.
Para uma das mulheres que lavava a louça enquanto o casal dava entrevista, a vida sem paradeiro é cansativa. “Estou cansada disso. Me criei assim, mas não quero mais isso pra mim”, desabafa baixinho ela, de 40 anos.
Liderança
Como o chefe do grupo foi buscar mais enxovais em Ibitiganga (SP), Vit não autorizou que registro fotográfico ocorresse dentro da área. “Somos que nem índio, sem o cacique, a gente não pode tomar decisões”.
O motorista Vilne Santana, de 53 anos, que trabalha no Parque Laucídio Coelho no transporte de gado, considera a presença do grupo animadora para a região. “Eles são bacanas”, diz.
Cidadania
Em 2006, o repórter Alceu Luís Castilho, do site www.reportersocial.com.br, publicou matéria sobre os maus tratos sofridos pelos ciganos no país.
Em Aracaju, ciganos vivem em um antigo galinheiro, segundo a reportagem. Em Goiás, diversas prefeituras proíbem os nômades de erguer suas barracas. Em todo o Brasil, membros da etnia Calon, a mais pobre, vivem em condições precárias de saneamento e saúde.
Pela tradição de invisibilidade, boa parte se recusa a tirar carteira de identidade ou receber técnicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). Em meio à discriminação de séculos de história, lideranças ciganas de vários Estados brasileiros estão se articulando para levar finalmente cidadania a seu povo. No caso dos Rorananoa, Vit conta que eles pagam impostos para que na velhice possam aposentar.
O relato de ciganos vivendo em um galinheiro foi feito pelo antropólogo Frans Moonen, professor aposentado da UFPB (Universidade Federal da Paraíba). As famílias que vivem em acampamentos não possuem informações sobre controle de natalidade e uso de contraceptivos – descreve a paulista Lara Orlow, Calon de Guarulhos que freqüenta acampamentos pobres em Franco da Rocha. - Geram muitos filhos, e na maioria dos casos, entregam as crianças ainda recém-nascidas a outros ciganos com melhores condições de vida ou ainda os dão por adoção a gadjes (não ciganos), perdendo suas raízes, costumes e histórico cultural.
Consta ainda na reportagem que os ciganos têm agrupamentos significativos em municípios como Campinas (calcula-se que haja 400 famílias), Curitiba, Aracaju e Nova Iguaçu, entre outros. Apesar da diferença, ou mesmo rivalidade entre etnias como Rom (subdividida por sua vez em vários grupos), Calon e Cindi, há convergência no culto à família e, hoje, um início de aproximação visando a conquista de direitos para todos.
História
Eles chegaram ao Brasil acorrentados, no século 19, segundo a Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci). De acordo com a reportagem, os negros viviam em situação melhor, pois recebiam comida já os ciganos nos arredores, e quando entravam na cidade não podiam nem pisar na calçada.
Até hoje, muitas pessoas têm medo de ciganos e atravessam a calçada, nas grandes cidades do Brasil ou da Europa, quando aparece um cigano. Os estigmas de ladrões, vagabundos – “raptores de criancinhas” – fazem parte do desafio histórico dos cidadãos ciganos. Miguel de Cervantes foi quem, em um de seus contos, disse que ciganos eram raptores.
Não há uma estatística segura, pesquisas já apontaram que são 150 mil, e em outras ocasiões 300 mil, 600 mil e 800 mil ciganos no país. No governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) eles foram reconhecidos como povo de cultura e costumes próprios.
Materia Media Max Jornal Mato Grosso do Sul