quarta-feira, 9 de abril de 2008

Direitos ciganos


Cartilha do governo federal busca tirar da marginalidade o povo nômade, que pode somar um milhão de pessoas no Brasil

Por Flávio Novaes

Cobrador infalível, com dente de ouro, ladrão de criancinhas, exímio comerciante e, ainda, nômade eterno. O cigano do imaginário comum está com os dias contados se depender da cartilha Povo cigano – O direito em suas mãos, lançada quinta-feira passada, em Nova Iguaçu, interior fluminense. A obra, publicada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, busca tirar da marginalidade o povo que, de acordo com a tradição, não tem pátria e se sente estrangeiro na terra natal.

A publicação, voltada exclusivamente para o grupo, reúne 29 reivindicações apresentadas durante a 9ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 2004, e a 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em 2005, ambas realizadas em Brasília. O livreto, que traz ainda informações sobre história, costumes, direitos e curiosidades, foi editado em parceria com as secretarias Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC) e a Fundação Santa Sara Kali. “Ali estão as demandas apresentadas por eles e muitas dicas também, para que eles aprendam a exercer, usufruir e garantir seus direitos”, explica Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. “Vamos ainda distribuir as cartilhas em todos os acampamentos ciganos pelo país afora”, completa, explicando uma das ações do projeto para o resgate da cidadania. Os ciganos baianos já aguardam a visita.
Orientações sobre aposentadoria, educação, segurança, justiça e Bolsa Família integram a publicação. O passo-a-passo para integrar o programa federal Bolsa Família, por exemplo, é apresentado com destaque. “O problema é que eles precisam registrar os filhos e comprovar que não têm renda, o que cria dificuldades para obter o benefício”, afirma Cipriano.

Além da cartilha, cartazes com informações consideradas essenciais serão fixados nos acampamentos. Segundo o subsecretário, o telefone de entidades como o Ministério Público terá papel essencial para a população. “Quando alguém chegar reprimindo, eles vão ter a quem recorrer”, afirma.

Um das principais características do cigano, porém, está em baixa, ou melhor, estática: o nomadismo. De acordo com os especialistas, o aumento da violência e as comodidades da vida moderna fazem vigorar a idéia de que o objetivo é permanência, forçada ou não. “Hoje, mais da metade do povo está sedentário”, afirma a advogada Mirian Stanescon Batuli, presidente da Fundação Santa Sara Kali, que homenageia a única cigana santificada na Igreja Católica.

Militante das causas do seu povo, Batuli mora em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, local onde existe grande número de ciganos, o que foi usado como justificativa para o lançamento da campanha. Batuli considera que, desde a realização da Conferência Nacional, a instituição do 24 de maio como o Dia Nacional do Cigano é uma das conquistas mais importantes para o povo. A data é dedicada a Santa Sara Kali, padroeira universal dos ciganos.

A SEDH não tem o número exato de ciganos no Brasil, em acampamentos ou já fixos nas cidades. Estima-se que pode chegar a um milhão. O grande número e o caráter próprio da nação cigana, inquieta pelos quatros cantos do mundo, dão margem a diversas lendas. A advogada Batuli rebate as afirmações sobre o povo que, segunda ela, são típicas da mentira contada muitas vezes até se transformar em uma verdade. “Tudo o que foi escrito sobre cigano, foi escrito por não-cigano”.

Povo invisível - Na Bahia, a referência na luta pelos direitos dos ciganos é o padre Wallace Zanon, coordenador nacional da Pastoral dos Nômades e administrador da Paróquia de Cora Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, no extremo sul do estado. “A cartilha chega com atraso, ninguém olhou para eles, parece que eles são um povo invisível”, afirma.

Também não há o número exato de ciganos na Bahia. Segundo o padre, eles estão espalhados, principalmente no extremo sul, em municípios como Teixeira de Freitas, Itamaraju e Eunápolis, passando pelo sertão, em Irecê, e no recôncavo, chegando a Camaçari e Salvador. “O preconceito impede que eles tenham acesso à escola e possam tirar documentos”, diz ele, que há 20 anos trabalha com os povos ciganos. “O Aurélio antigo definia o cigano como ‘sujeito trapaceiro’. Mas conseguimos mudar isso, já é um avanço”, finaliza.

Fonte Correio da Bahia