quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Bartley Gorman (Uttoxeter, 1944 - 18/1/2002)


Bartley Gorman
Bartley Gorman -
Uma lenda Em combates

"Rei dos ciganos" não é um título que ele simplesmente herdou
Bartley Gorman percoreeu árduo caminho ...
E em suas próprias palavras ...

-É um título obtido do sangue, suor e luta ".


Bartley Gorman foi o mais famoso lutador bareknuckle dos tempos modernos.
No fianl de sua vida foi extremamente orgulhoso do seu património, e que se estabeleceu na sua cidade natal de Uttoxeter aprovada em East Staffordshire, era temido e respeitado, em igual medida.

Quando ele ganhou o título de campeão Bareknuckle da Grã-Bretanha e Irlanda, tinha de 28 anos.

Entre 1972-1992, ele reinou suprema no mundo do boxe ilegal cigana.


Durante estes anos, ele lutou em pedreiras, feiras de cavalo , em campings, em bares e clubes e nas ruas, e ainda desafiou em Londres os lutadores Lenny McLean e Roy Shaw.

Tentativa de homicídio
Ele sobreviveu a uma tentativa brutal sobre a sua vida por um assasino em nas corridas de Doncaster, estavam determinados a terminar o seu reinado.

Bartley se tornou uma lenda viva, e, em certa medida colocou a pequena vila de mercado Uttoxeter no mapa.

Para Uttoxeter ele era um pouco de "uma cidade tesouro" e eles ainda honrado Bartley, colocando seu nome em seus Millennium monumento ao lado desses ilustres como Joseph Staffordshire grandes Bamford, que fundou JCB.

Ali e Gorman
Não somente ele era conhecido e feted na sua própria comunidade, a sua fama espalhou muito grande e, mesmo próximos à atenção de Muhammed Ali, com quem uma vez fez sparred.

De fato, Ali era um dos seus heróis, e Bartley baseia grande parte da sua luta contra a traços sobre o boxe habilidades de "O Maior".

Boxe família
Bartley veio de um rico património de lutadores e muitos dos seus antepassados tinham sido campeão cigana boxers antes dele.

De certa forma, ele achava que ele era o sucessor natural de seu avô grande-Boxing Bartley - Irlanda do Rei do Tinkers no século 19 - e seu avô Bulldog Bartley - outro bareknuckle lutador.

Após a semi-aposentadoria em 1992 (um lutador bareknuckle nunca plenamente se aposentou!), Bartley liquidada a construir sua própria casa nos arredores de Uttoxeter e para os restantes 10 anos, teve a oportunidade de assistir à ascensão da próxima raça cigana dos lutadores.

Em Janeiro de 2002, centenas de ciganos de todo o país chegaram à cidade para o funeral depois ele morreu de câncer hepático, com 57 anos de idade .

Biografia
'King of the Gypsies', ( "Rei dos ciganos"), escrito com a ajuda de Peter Walsh, foi concluída pouco antes da morte Gorman.

Bartley na pedreira em Hollington, Staffs, onde ele ganhou o título de "Rei dos ciganos", em uma briga com Jack Fletcher em 1972
. Gorman narra uma intransigência, mas tocar história de um homem obrigado pelo peso de sua própria história de luta contra a violência familiar e a dor.

. O livro revela que a cigana rapaz de cabelo vermelho Bartley Gorman foi apenas nove anos de idade quando ele primeiro testemunhou a miséria que a violência traz.

Na verdade, grande parte do livro é retomada com histórias de lutas brutal em feiras, racecourses, bares - em qualquer lugar viajar homens satisfeitos, e brawled argumentou.

Bareknuckle 'sport' Bareknuckle 'desporto'
Para os ciganos, os combates de bareknuckle era visto como um legítimo e aceitável desporto: uma forma de expressão.


Como rapazes hoje tentam imitar as habilidades de David Beckham, jovens ciganos rapazes teriam sonho de ser o campeão


A biografia ainda revela o segredo da linhagem cigana campeões e desvenda únicas fotografias do topo combates homens de hoje.

Peter Walsh, que ficaram a conhecer Bartley durante os últimos 18 meses de sua vida, ele resume-se:

Ele foi o homem único , um carácter único. Ele era um homem com um lindo maus senso de humor, mas uma seqüência de melancolia que nunca deixou ele."

Um filme baseado em Rei dos ciganos está atualmente em produção e filmes direitos estão em negociação.






sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Unidos Do Viradouro- Samba Enredo 1992


Uma estrela brilhou

Brilhou, brilhou, brilhou
Tão cintilante e os magos iluminou
Será, será
O novo sol do amanhã (do amanhã)
O arco-íris da aliança
Que não se apagará
Vem do Oriente
Com sua arte de criar
Na palma da mão lê a sorte
Com a magia do seu olhar
Chegando ao velho continente
A marca da desilusão
Castigo, degredo, açoite
Por que tanta discriminação?

A cada passo
A poeira levanta do chão (bis)
Ferreiro, feiticeiro, bandoleiro
A liberdade é sua religião

E vem chegando
O dono desse chão
No berço, a mão do menino
Abriu-se ao destino
Eis a nova Canaã
Ê, ê cigano
Bandeirante em busca de cristais
Canta, dança, representa
Dá vida a nossos laços culturais

Cigano-rei, mineiro iluminado
O mundo não vai esquecer
Plantou no solo brasileiro
A realização do amanhecer
É uma nova era, ô, ô
A magia da sorte chegou

O sol brilhará, oi
Surge a estrela-guia (bis)
E sob a proteção da lua
Canta Viradouro que a sorte é sua

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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O HOLOCAUSTO CIGANO


A mais selvagem e bárbara perseguição aos ciganos de que se tem notícia, em toda a História da Humanidade, ocorreu não em séculos passados, entre povos então ditos “primitivos” ou “selvagens”, ou no Brasil, mas em pleno Século XX, na Alemanha, país (pelo menos até então) considerado “civilizado”. As únicas vítimas do terror nazista que costumam ser lembradas, no entanto, são apenas os judeus, e quase nunca os ciganos. Enquanto hoje a bibliografia sobre o holocausto judeu é imensa, não faltando inclusive museus e memoriais especialmente construídos para lembrar este triste genocídio, o holocausto cigano sempre foi considerado um fato de menor importância. Os documentos históricos provam que não foi bem assim e que, lamentavelmente, ao lado de cerca de seis milhões de judeus, nos mesmos campos de concentração, nas mesmas câmaras de gás, nos mesmos crematórios, ou então fora deles num lugar qualquer da Europa, foram massacrados também cerca de 250 a 500 mil ciganos. Só recentemente começaram a ser publicados ensaios, inclusive por autores alemães da geração pós-guerra, sobre este “holocausto esquecido”, o holocausto cigano, que os intelectuais ciganos de hoje preferem chamar de ‘poraimos’, para diferenciá-lo do holocausto judeu.

Gilsenbach cita três fatores que facilitaram a perseguição aos ciganos na Alemanha antes e durante a II Guerra Mundial: o já tradicional ódio dos alemães e de outros europeus aos ciganos, existente já desde o Século XV; os arquivos desde o final do Século XIX existentes sobre ciganos na polícia criminal e as teorias de antropólogos, psiquiatras e médicos sobre “higiene racial” e “biologia criminal”. O tradicional ódio aos ciganos já foi visto anteriormente; os outros dois fatores, e principalmente o último, precisam de alguns comentários.

No início do Século XX, as políticas (anti)ciganas alemãs não foram idênticas em todo o país, mas cada Estado ou Província [Land] inventava as suas. Em Munique, na Bavária, já em 1899 criou-se um Serviço de Informação Cigana que registrava todos os ciganos do Estado. Em 1905 o seu diretor, Alfred Dillmann, publicou os primeiros resultados no Zigeunerbuch [O Livro Cigano, também vendido nas livrarias] que continha o registro, com uma dezena de dados pessoais, de 3.350 ciganos e que se destinava a ajudar a polícia na ‘erradicação da praga cigana’.

Em 1925/26 a Bavária editou uma lei que tornou obrigatória a vida sedentária e condenou a dois anos de trabalhos forçados ciganos não regularmente empregados, lei que em 1929 passou a ser válida na Alemanha toda. Mas já em 1927, todos os ciganos alemães foram obrigados a andarem sempre com um documento de identidade, com retrato, impressões digitais e outros dados pessoais. Alguns anos depois foi criado o Serviço Central de Combate à Praga Cigana, órgão nacional que incorporou o Serviço de Munique e outros semelhantes então existentes, e passou a ser dirigido pelo mesmo Dillmann, que em pouco tempo reuniu informações sobre mais de trinta mil ciganos alemães. Este Serviço anti-cigano foi extinto em 1947, mas recriado em 1953, embora com outro nome; definitivamente extinto foi somente em 1970, vinte e cinco anos após o término da II Guerra Mundial!

O Serviço alemão de Combate à Praga Cigana, sem dúvida alguma, foi o mais eficiente do mundo e poucos ciganos devem ter escapado de seus registros. No entanto, também em outros países foram realizados recenseamentos ciganos, foram criados cadastros permanentes da população cigana e criadas leis para evitar ou, pelo menos, controlar a sua presença no país. Até a famosa Interpol (na época chamada Comissão Internacional de Polícia Criminal) criou em 1936, em Viena, um Centro Internacional para a Luta contra a Praga Cigana, cujos arquivos foram destruídos em 1945. Ou seja, quando em 1933 os nazistas chegaram ao poder, tanto na Alemanha quanto em vários países vizinhos (p.ex. França e Holanda) que depois seriam ocupados, a maioria dos ciganos já estava devidamente registrada e identificada, e já existiam políticas anti-ciganas.

A diferença era que agora os ciganos passaram a ser perseguidos - e depois exterminados - também por motivos raciais, e não apenas por serem considerados associais ou criminosos natos. Embora os alemães tenham negado isto após a II Guerra Mundial, quando foram obrigados a pagar indenizações às vítimas perseguidas por motivos raciais (admitindo-se como caso único os judeus), e embora tenham sempre afirmado que os ciganos foram perseguidos por serem “associais”, e não por serem de uma raça diferente, não resta a menor dúvida que ambos os fatores pesaram na perseguição. Muitos documentos e ensaios “científicos” da época comprovam, sem sombra de dúvida, que não somente os judeus, mas também os ciganos eram considerados membros de “raças” diferentes consideradas perigosas, porque poderiam contaminar a pureza racial ‘ariana’. Para esta justificativa “racial”, a Alemanha pôde contar com vários médicos, biólogos e antropólogos.

Já em 1904 o antropólogo Alfred Ploetz fundou um “Arquivo para Raciologia e Biologia Social”, que no ano seguinte virou “Sociedade para Higiene Racial”. Anos depois, os antropólogos Bauer, Fischer e Lenz publicaram um manual sobre Genética Humana e Higiene Racial, que foi lido por Hitler quando, prisioneiro em 1924, escreveu Mein Kampf, a futura biblia nazista.Não pretendemos citar aqui todos os institutos alemães na época considerados ‘científicos’, ou todos os biologos, antropólogos e outros cientistas que na época se dedicaram a pesquisas raciais, eugenéticas e ciganas, porque estes dados encheriam algumas dezenas de páginas. Dois nomes, no entanto, merecem destaque, porque são citados por praticamente todos os autores que tratam desta época: o médico psiquiatra Robert Ritter e sua assistente, a enfermeira Eva Dustin, entre os ciganos Sinti mais conhecida como Lolitschai, “a moça ruiva”.

Em 1937 Ritter se tornou diretor do Centro de Pesquisa para Higiene Racial e Biologia Populacional, com sede em Berlim, onde se dedicou intensivamente às pesquisas ciganas. Somente o nome deste Centro já é suficiente para provar que os ciganos eram considerados uma “raça’ diferente. Neste Centro, entre outras coisas, Ritter investigava uma suposta relação entre hereditariedade e criminalidade, elaborando complicadas árvores genealógicas de ciganos para medir o grau de ‘mistura racial’, para o que utilizava inclusive os dados do já citado Serviço de Informação Cigana de Munique, que foram transferidos para Berlim.

Ritter e os membros de sua equipe eram defensores da “eugenética”, ou “higiene racial”, segundo a qual devia ser evitada a procriação de elementos nocivos à sociedade. Entre as pessoas nocivas estavam não apenas os deficientes físicos e mentais, mas também os “associais hereditários” (mendigos, vagabundos, prostitutas, alcoólatras, homosexuais, desempregados crônicos, e.o., como se estas características fossem transmissíveis hereditariamente!), e as minorias raciais nocivas, como os ciganos e os judeus. Para “limpar” a raça humana, Ritter e outros tantos “eugenéticos” da época inicialmente propunham a esterilização destas pessoas (a total eliminação física só seria proposta alguns anos depois). Estima-se que na Alemanha nazista cerca de 400.000 pessoas foram esterilizadas, entre as quais muitos ciganos.

O mesmo aconteceu, por sinal, também em outros países, inclusive nos Estados Unidos, onde até 1939 comprovadamente cerca de 30.000 pessoas “indesejáveis” foram contra a sua vontade esterilizadas. Mas estes tristes episódios, como também os vergonhosos campos de concentração para japoneses e seus descendentes nos Estados Unidos, durante a II Guerra Mundial, os historiadores americanos preferem ‘esquecer’, principalmente nos livros didáticos e, oficialmente, ‘nunca aconteceram’.

Foi nesta época que os biólogos alemães tentaram deseperadamente descobrir, com fins práticos, quais eram as características “raciais” ciganas, já que na maioria dos casos era impossível distinguir os ciganos do resto da população alemã através de características físicas específicas. Mas mesmo Ritter e seus colegas nunca foram capazes de descrever estas características. Daí porque, na Alemanha daquele tempo, era classificado como “Z” (de “Zigeuner”), ou seja “cigano puro” todo indivíduo com quatro ou três avós “verdadeiros ciganos”; como “ZM+” ou mestiço em primeiro grau era classificado quem tinha menos do que três avós “verdadeiros ciganos”; “ZM-” era o mestiço em segundo grau que tinha pelo menos dois avós “ciganos-mestiços”; avó ou avô “verdadeiro cigano” era aquele que sempre tinha sido reconhecido, pela opinião pública, como “cigano”. Ou seja, no final das contas tratava-se de critérios subjetivos, e não científicos. Ritter chegou a classificar “racialmente” cerca de 25 a 30 mil ciganos alemães, mas a quase totalidade era, segundo ele, formada por mestiços, ou seja, eram candidatos à esterilização, confinamento em campos de concentração e, finalmente, extermínio.

No início dos anos 40 alguns nazistas intencionavam ainda conservar para a posterioridade uma “amostra” de Sinti “puros”, melhor dito, oito famílias Sinti e uma família Lalleri, que seriam confinadas numa espécie de “reserva cigana” a ser criada na Hungria e administrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico. Esta “reserva cigana” nunca chegou a se tornar realidade; no final, também estes ciganos “puros” terminaram nos campos de concentração ou de extermínio. Em 1940, Ritter escreveu num relatório:


“Fomos capazes de provar que mais do que 90% dos assim chamados ciganos nativos são mestiços...... Outros resultados de nossas investigações permitem-nos caracterizar os ciganos como um povo de origens etnológicas totalmente primitivas, cujo atraso mental os torna incapazes de uma real adaptação social..... A questão cigana só pode ser resolvida reunindo o grosso dos mestiços ciganos associais e imprestáveis em grandes campos de trabalho e mantendo-os trabalhando, e parando para sempre a futura procriação desta população mestiça”.

Para cada cigano, Ritter emitia então um “Certificado”, assinado por ele pessoalmente ou por sua assistente Eva Justin, no qual constavam além do nome e dados pessoais, o grau de ciganidade. Quase sempre o diagnóstico era: “mestiço cigano”, o que na prática correspondia a uma condenação à esterilização ou à deportação e internação (e posterior extermínio) em campos de concentração.

Eva Justin, na época, era apenas uma simples enfermeira, sem qualquer formação acadêmica, mas que apesar disto sonhava com o título de Doutor, e para obtê-lo escreveu uma ‘tese’ sobre a suposta inadaptabilidade social de crianças ciganas, estudando durante apenas seis semanas um grupo de crianças ciganas internadas numa espécie de orfanato, sem contato com seus pais ou outros ciganos adultos. Obviamente chegou à conclusão que a boa educação recebida neste internato de nada adiantou e que as crianças continuaram tão associais como antes; para ela, crianças ciganas eram simplesmente incorrigíveis, eram associais e criminosos natos.

A “tese” foi defendida em 1943, na Universidade de Berlim. Poucos dias após a obtenção do diploma, as 39 crianças ciganas do orfanato, as cobaias de sua pesquisa e que até então tinham sido poupadas, foram deportadas para Auschwitz; somente quatro sobreviveram.

A partir de 1942 os métodos eugenéticos (esterilização e confinamento) foram substituídos por outro, considerado mais eficiente: o genocídio, ou seja a eliminação física destas pessoas, nos campos de concentração e fora deles. Em dezembro de 1942, Himmler ordena enviar todos os ciganos alemães para Auschwitz-Birkenau, então dirigida por Josef Mengele, onde foi instalada uma seção com 40 barracas só para ciganos, ordem depois repetida nos territórios ocupados. Dos 23.000 ciganos internados no campo de extermínio de Auschwitz, cerca de 20.000 morreram e uns 3.000 foram transferidos para outros campos. Os últimos ciganos de Auschwitz, conforme a metódica contabilidade alemã exatamente 2.897, foram todos enviados para as câmaras de gás na noite de 2 de agosto de 1944.

Também outros campos de concentração receberam ciganos, embora em número menor do que Auschwitz. Bernadac publica quase três centenas de páginas com testemunhos de ciganos internados em vários destes campos de concentração. Nem todos eram campos de extermínio e possuíam câmaras de gás e crematórios, mas nem por isto eram menos desumanos. Em Bergen-Belsen, por exemplo, os internos, entre os quais muitos ciganos, eram lentamente assassinados por inanição, sendo os mortos enterrados em enormes valas perto do campo. Quando Bergen-Belsen foi tomado pelos ingleses, em 1945, encontraram cerca de 10.000 corpos ainda insepultos, e cerca de 40.000 pessoas ainda vivas, das quais pouco depois ainda morreram umas 13.000, em parte por causa dos maus tratos e doenças anteriores (em especial o tifo), em parte também por causa da super-alimentação logo dada pelos bem intencionados ingleses, mas que muitos dos subnutridos já não conseguiram mais digerir. Fatos semelhantes foram registrados também em outros campos de concentração. Exércitos não costumam levar também nutricionistas, e por isso, na época, ainda não se sabia – ou pelo menos os soldados e oficiais ainda não sabiam - que pessoas altamente subnutridas também podem morrer por causa de repentina super-alimentação.

Na França existiam até campos de concentração somente para ciganos, administrados pelas próprias autoridades francesas. Não se tratava de campos de extermínio, mas quase sempre de campos de trabalhos forçados e por serem campos em geral pequenos, para uma centena até alguns poucos milhares de pessoas, as condições de vida eram, em geral, melhores do que nos campos administrados pelos alemães. Bernadac chama estes campos, apropriadamente, “as antecâmaras francesas de Auschwitz”, porque principalmente no final da guerra, muitos dos 30 mil ciganos internados nestes campos franceses foram deportados para os campos de extermínio existentes na Alemanha e em outros países.

O tratamento desumano, as terríveis experiências médicas, as câmaras de gás e os crematórios, e outros tantos horrores cometidos pelos alemães nestes campos de concentração, supomos suficientemente conhecidos por todos. Estima-se que 250 a 500 mil de ciganos foram assassinados pelos nazistas. Os números exatos nunca serão conhecidos, mas todos os documentos provam que os judeus não foram as únicas vítimas da perseguição racista pelos nazistas. A única diferença é que o holocausto judeu, e com justa razão, até hoje sempre costuma ser relembrado e não faltam memoriais para lembrar isto, inclusive em Auschwitz. O holocausto cigano, no entanto, costuma ser varrido debaixo do tapete, costuma ser simplesmente ignorado ou esquecido, como algo de menor importância, ou pior ainda como algo que nunca aconteceu, e praticamente não existem monumentos que lembram o holocausto cigano.

A II Guerra Mundial terminou há pouco mais de meio século. Centenas de milhares de judeus receberam indenizações do governo alemão, e o povo judeu recebeu uma Pátria nova (Israel 1948). Os ciganos nunca foram indenizados e nunca receberam nada, sob a alegação de que foram perseguidos e exterminados não por motivos “raciais”, mas por serem associais e criminosos comuns; outros tiveram seus pedidos de indenização negados porque não conseguiram apresentar os testemunhos necessários.

Todas as pesquisas de Ritter e outros sobre as características raciais dos ciganos, suas medições físicas, suas amostras de sangue, as crueis experiências biológicas de Mengele com ciganos em Auschwitz, foram de repente esquecidas. Preferiu-se esquecer ainda circulares oficiais como uma já de 1938, sobre “O combate à praga cigana”, que afirmava: “A experiência até agora acumulada no combate à praga cigana e os resultados da pesquisa biológica-racial mostram que é recomendável abordar a regulamentação da questão cigana do ponto de vista racial”, como de fato aconteceu depois.

O famoso Tribunal de Nuremberg, instituído pelos ‘aliados’ logo após a II Guerra Mundial para condenar europeus que cometeram crimes contra a Humanidade, concentrou suas atividades em crimes contra judeus, mas não há registro de criminosos de guerra condenados por crimes cometidos contra ciganos. Inúmeros judeus – e com toda a razão – tiveram oportunidade para apresentar seus depoimentos e suas denúncias, mas nenhum cigano foi convocado ou aceito para depor ou para denunciar.

Antes pelo contrário, alguns conhecidos e comprovados criminosos anti-ciganos (mas não anti-judeus!) foram até promovidos: Robert Ritter e Eva Justin, por exemplo, foram considerados inocentes e após a guerra viveram ainda um bom tempo exercendo tranquilamente a profissão! Em sua defesa foi alegado que os dois nunca mataram pessoalmente um cigano! Que comprovadamente mandaram dezenas de milhares de ciganos para a morte com seus pseudo-científicos “Certificados de Ciganidade”, não foi levado em consideração. Em 1947 a prefeitura de Frankfurt contratou Ritter como psiquiatra infantil, e no ano seguinte Eva Justin foi contratada como psicóloga criminal e infantil, para cuidar - imaginem só! - da re-educação de crianças associais e desajustadas, muitas das quais certamente vítimas da guerra.

Ainda hoje o holocausto cigano é pouco conhecido do grande público. Também em documentários e em comemorações das vítimas do holocausto nazista, ou em monumentos construídos em sua homenagem, sempre são lembrados apenas os judeus, e nunca os ciganos. Pelo contrário, mesmo depois da guerra os ciganos continuaram sendo discriminados da mesma forma, ou talvez até pior do que antes. Atualmente, no entanto, em livros e revistas que tratam do holocausto, está se tornando ‘politicamente correto’ falar não apenas dos judeus, mas também dos ciganos, enquanto também o número de livros e artigos que tratam do assunto está aumentando sempre mais.

Mesmo depois da guerra, os ciganos continuaram sendo discriminados da mesma forma, ou talvez até pior do que antes. Principalmente nos círculos policiais, todas as antigas ideologias e imagens anti-ciganas continuaram existindo, pelo que nada mudou também nas atitudes anti-ciganas, excluindo-se apenas o genocídio. Os ciganos continuaram pessoas indesejadas e odiadas em toda a Alemanha. Até vários dos assim chamados ‘ciganólogos’ alemães continuaram publicando ensaios nitidamente anti-ciganos.

Ainda hoje, mais de cinquenta anos depois da II Guerra Mundial, pouca coisa mudou. Na decada de 90, após a reunificação das duas Alemanhas (Ocidental e Oriental) e o fim da União Soviética, a Alemanha se tornou o país preferido por dezenas de milhares de refugiados e migrantes do Leste, entre os quais muitos ciganos, principalmente da Romênia e da ex-Iugoslávia. Jansen informa que: "de 1989 a 1990, o número de refugiados vindos da Romênia cresceu mais de dez vezes, de cerca de 3.000 para 35.000. Dois terços deles são Roma. Somente no mês de outubro de 1992, foram registrados na Alemanha 15.000 refugiados da Romênia". Em 1992/93 o governo alemão pagou ao governo romeno mais de 25 milhões de marcos para receber de volta cerca de 50.000 cidadãos romenos, a maioria dos quais Rom. Ninguém perguntou aos Rom se eles realmente queriam voltar, e a sua ‘repatriação’ foi compulsória.

Diga-se de passagem que esta repatriação teve a aprovação também de muitos Sinti, ciganos com nacionalidade alemã e há muito tempo residindo no país e quase todos bem integrados na sociedade nacional, porque temeram que a população os identificasse com os Rom do Leste, segundo eles responsáveis por todos os estereótipos e preconceitos anti-ciganos. Já vimos anteriormente que também na Holanda os ciganos holandeses tradicionais (com nacionalidade holandesa) não gostaram nada da repentina imigração de Rom do Leste, pelo que inclusive ajudaram o Governo a contrabandear ilegalmente muitos destes ciganos “estrangeiros” de volta para algum país vizinho. Comprovadamente, pelo menos na Europa, os ciganos não somente são odiados pelos não-ciganos, mas também – e o que é bem mais grave - se odeiam mutuamente.

Inclusive na Europa do Leste. Segundo Gozdziak, após 1989 muitos Rom romenos migraram também para a Polônia, um país no qual também, há muito tempo, existe uma forte discriminação anti-cigana, apesar da qual muitos antigos ciganos poloneses conseguiram integrar-se no país. Para estes tradicionais ciganos polonêses, a chegada de milhares de ciganos romenos apenas piorou ainda mais a situação: "Os Rom poloneses não se relacionam com os ciganos romenos..... ‘Eles não são meus irmãos’, diz um rom polonês, ‘... nós somos muito diferentes deles, nós não pedimos esmolas nas ruas. Nós não somos dependentes de nínguém, Nós conquistamos aqui nosso espaço. Nossas mulheres são limpas, e as crianças tomam banho. Nós construimos casas e não dormimos no chão. Os ciganos romenos nos envergonham’ ". O fato de este Rom identificar os ciganos poloneses como 'Rom', e os ciganos romenos - sem dúvida alguma Rom - apenas como 'ciganos', é apenas mais uma manifestação de discriminação cigana anti-cigana, e que, lamentavelmente, existe e foi registrada em praticamente todos os países.

Vergonha: talvez seja esta a palavra chave que explique o anti-ciganismo dos próprios ciganos em países nos quais há séculos residem e que, bem ou mal, já conseguiram integrar-se na sociedade nacional, que são sedentários, exercem alguma profissão perfeitamente legal, cujos filhos estudam, e que não são identificados ou identificáveis como 'ciganos', e por isso também não são perseguidos e discriminados.

Entende-se que a chegada repentina de centenas ou milhares de rom orientais maltrapilhos, famintos, imundos, analfabetos e que, para sobreviver, vivem mendigando, enganando ou furtando, ou até envolvendo-se em atividades ilegais como contrabando e o tráfico de drogas, é um pesadelo e uma ameaça para os tradicionais ciganos não somente na Europa Ocidental, mas também em alguns países da Europa Oriental, como a Polônia.

Se até os próprios Rom pensam assim sobre os imigrantes e refugiados Rom romenos, (ex) iugoslavos, (ex) tchecoslovacos, albaneses ou outros, não se pode estranhar opiniões e atitudes ainda piores entre a população não-cigana. Numa pesquisa de opinião pública realizada na Alemanha em 1992, os ciganos obtiveram o mais alto índice de rejeição: 64%. A rejeição de outras conhecidas minorias era: muçulmanos 17%, indianos 14% e judeus 7%.

Grande também é o número de imigrantes e refugiados da ex-Iugoslávia. Milhares de ciganos iugoslavos, que desde 1989 tentaram em vão obter asilo na Alemanha, foram depois compulsoriamente "repatriados" - eufemismo para "deportados"

É compreensível que estas massas de refugiados não sejam bem-vindas na Alemanha, como aliás em nenhum outro país europeu. Afinal de contas, por causa de tratados internacionais, todos eles devem receber alimentação, hospedagem, assistência social, assistência médica, etc., ou seja, devem ser mantidos às custas dos contribuintes não-ciganos. E tudo isto justamente numa época em que também a quase totalidade dos países europeus passa por profundas crises econômicas e têm altos índices de desemprego.

Além disto, por causa dos preconceitos já existentes, os ciganos migrantes ou refugiados do Leste quase nunca recebem a devida assistência, e por isso são obrigados a mendigar, furtar, vender drogas, etc. pelo que os preconceitos aumentam mais ainda. Porque, obviamente, muitos deles são presos e terminam nas páginas policiais dos jornais, nas quais costumam ser identificados como 'ciganos', embora os jornalistas não costumem informar nada sobre a nacionalidade ou identidade étnica dos outros milhares de criminosos presos por causa de 'crimes' idênticos ou semelhantes.

Daí porque a imprensa não se cansa de noticiar incêndios de residências ciganas e outras violências contra ciganos e contra outras minorias étnicas na Alemanha (e em vários outros países europeus), cometidas por neo-nazistas, skinheads e outros grupos ultra-direitistas, ou a repatriação forçada, pelo Governo, de milhares de ciganos para seus países de origem. Na Alemanha de hoje, apesar das belas recomendações pró-ciganas da União Européia, da qual o país faz parte, a vida dos ciganos ainda é difícil, e os tradicionais preconceitos e as centenares discriminações continuam existindo, como antes

Fonte: Nucleo de Estudos Ciganos - Recife - Ano 2000

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A Cigana, Personagem em Quadrinhos




"I'm the Queen Biatch! HAHAHA!"

Cigana e' uma personagem da DC Comics, e participou duma formacao da Liga da Justica e da Forca-Tarefa Liga da Justica. Primeira aparicao em Justice League Annual #2 (November 1984) e criada por Gerry Conway e Chuck Patton.


Cynthia "Cindy" Reynolds e' uma meta-humana com o poder de criar ilusoes, e fugiu de casa apos varias brigas familiares, e em suas perambulacoes juntou-se a Liga da Justica alguns anos depois, que nesta epoca estava sediada em Detroit. Ela. Quando o grupo se desfez, ela voltou para casa, onde viveu uma curta felicidade, uma vez que Despero voltou do espaco e matou seus pais. Pouco depois, ela e' contratada por Gladiador Dourado pra seu grupo de herois particular, o Conglomerado. Com a dissolusao do grupo, ela desapareceu por um tempo, sendo que um dia o Cacador de Marte achou ela disfarcada como manequin numa loja de roupas a fim de surrupiar vestimentas, e convidou-a a integrar a Forca-Tarefa Liga da Justica.

Poderes

Cigana pode criar ilusoes para disfarcar a si e/ou de outras pessoas, podendo inclusive ficar invisivel. Ela tambem pode confrontar pessoas mentalmente com seus piores
temores.



quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Livros

No lançamento dos livros: Que Sorte, Ciganos na Nossa Escola, colectivo e Minoria e Escolarização: o Rumo Cigano de Jean-Pierre Liégeois

Os dois livros que aqui apresento integram a já longa lista de livros da colecção Interface. São duas publicações que nos convocam para uma melhor compreensão da etnicidade cigana. É em tomo da escolarização de uma minoria étnica que as diferentes narrativas se desenvolvem. Mas são igualmente feitos de história, experiências, e projectos que se alicerçam no desejo de construir, erguer no presente um futuro diferente. Quando procuramos saber o que habita no interior de Que Sorte, - Ciganos na Nossa Escola descobrimos, entre muitos outros, documentos de estudo e reflexão acerca da "Memória histórica, presente e futuro do Povo Cigano", deparamo-nos com "Um Olhar Cúmplice" acerca da escolarização das crianças ciganas, com a necessidade d "A Formação de Professores para a Diversidade ". Igualmente de experiências, projectos, mediação, formação profissional, associativismo, arte, música, de vidas com e sem rumo, é feito este livro. E porque é necessário " Dar a vez e a voz ", aqui tem de ser evocado um relato de uma história de vida. Diz quem escreveu sobre Calói que se trata de "um estudo de caso "...

Calói é uma criança com 12 anos, olhos castanhos-escuros, cabelo preto um pouco desgrenhado e com um tom de pele tão escuro que um dia uma senhora lhe perguntou se era indiano.

Calói não é um caso, é um exemplo de muitos casos que se podem encontrar, numa das muitas barracas existentes de Norte a Sul de Portugal. Pode estar na Feira Velha em Moura, numa das inúmeras barracas existentes no Conselho de Reguengos de Monsaraz, já não está em Vila Verde, pode ser encontrado em Olival no Conselho de Vila Nova de Gaia. Calói vive em Lisboa numa barraca. Vive com os pais e mais três irmãos. Calói, as duas irmãs de três e quatro anos e o irmão com dez anos dormem no chão da única divisão que a barraca possui, para além da cozinha. Não têm água canalizada nem luz eléctrica. Calói não toma banho frequentemente, lava a cara e penteia o cabelo com a água que vai buscar a uma conduta pública. Calói vive a 2,5 km da escola, não tem por isso direito a passe social. Às vezes a mãe não tem comida para lhe dar: não almoça, não lancha, não janta. Não participou numa visita de estudo porque não tinha dinheiro para as senhas de transporte. Foi um dia castigado pelo que não fez e é gozado pelos colegas. Calói é cigano. Mas Calói tem um sonho, deseja um dia poder ter um quarto só para ele e "tirar a carta". É necessário debelarmos os males que tanto afligem e prejudicam Calói. Assim os seus sonhos agigantar-se-ão.

A minha história de vida, nomeadamente da minha infância, é diferente da de Calói, mas particularismos existem, numa e noutra, que não as tornam globalmente dissemelhantes. A escola modificou a minha vida, não apagou as minhas memórias e tornou plural o meu sentido de pertença. Os meus sonhos, por causa da escola onde entrei e de onde nunca mais saí, não pararam de se realizar: um sonho precede outro, de forma incessante. Quando tomamos conhecimento, através da leitura das páginas deste livro, de muitas das acções realizadas, de imediato constatamos que algumas das acções aqui narradas se desenvolveram num registo de improvisação pedagógica. A improvisação pedagógica é muitas vezes um elemento de bloqueio e de fracasso que consequentemente dá origem ao desencorajamento. Muitos professores que procuram a inovação, que desenvolvem práticas pedagógicas no sentido de adaptar a escola às crianças que acolhem, sentem-se muitas vezes sem apoio institucional, isolados uns dos outros e marginalizados pelos restantes colegas. A acção e a situação destes professores, em muitos contextos escolares, não são fáceis. A imprevisão pedagógica emerge, em muitos casos, nestes contextos e pelas razões supra-mencionadas. Raras vezes estes professores recebem informação e formação de qualidade, responsável e reflexiva, que são fundamentais tendo em conta as condições globais em que ensinam e as qualidades, pedagógicas e não só, que um ensino adaptado e respeitador exige.

É, por tudo isto, que Que Sorte, Ciganos na Nossa Escola parece provocação, como diz o Dr. Miguel Ponces de Carvalho numa das primeiras páginas deste livro. Sinceramente não acho que pareça uma provocação, é uma provocação! É uma excelente provocação. Porque este livro permite confrontar experiências, faz apelos questionadores das nossas práticas pedagógicas, dá a conhecer igualmente boas práticas e exige que se crie uma estrutura simples - que não deve ser de especialistas, altamente especializados em especialidades especiais, normalmente segregadoras - uma estrutura dizia, de educação escolar, constituída por professores/pessoas competentes (devidamente formadas e mandatadas) para ajudar, informar e coordenar acções a nível local, regional e nacional. Seria um passo muitíssimo importante, que muito poderia contribuir para a escolarização das crianças ciganas.

E esta é uma das muitas recomendações que é feita no relatório apresentado por Jean- Pierre Liégeois à Comissão Europeia, para além do recrutamento e formação de técnicos auxiliares de acção educativa de etnia cigana, bem como a formação de mediadores ciganos, precisamente no segundo livro que passo a apresentar: Minoria e Escolarização: o Rumo Cigano de Jean-Pierre Liégeois. É um relatório-síntese de um estudo realizado pela Universidade René Descartes de Paris, por solicitação do Parlamento Europeu. "Foi feito de forma intensiva em 1984 e 1985. Através de uma rede coordenada de peritos dos diferentes Estados-Membros, esta investigação conduziu à síntese de trabalhos existentes, à consulta de famílias, de organizações ciganas e de professores e à análise de centenas de documentos e de realizações". Infelizmente este estudo não contemplou a realidade portuguesa. O tema é a escolarização das crianças ciganas, e é um estudo importante, actual e inovador. Mas é um estudo importante, actual e inovador porquê? Porque a escolarização das crianças ciganas, através da reflexão que suscita e das práticas pedagógicas a que pode conduzir, poderá fazer emergir um conjunto de saberes que se tomam proveitosos para a escolarização de todos. Neste seu livro Jean- Pierre Liégeois diz que o futuro das comunidades ciganas depende, em grande parte, das modalidades de escolarização utilizadas com estas crianças. É por isso que este livro é simultaneamente uma análise e uma reflexão sobre ideologias, designadamente políticas, e sobre as práticas que as inspiram.

Estou de acordo com Jean- Pierre Liégeois quando diz que, globalmente, a escolarização das crianças ciganas tem sido, até agora, um fracasso.

Na sua maioria as crianças de etnia cigana não completam a escolaridade obrigatória. Diz-nos que a cultura cigana é uma cultura de resistência e que a sua secular capacidade de adaptação remeteu-os para uma tradição de mudança, mudança dentro da tradição. As grandes transformações económicas, políticas e sociais das últimas décadas, designadamente as que se relacionam com os grupos sociais e culturais considerados " desfavorecidos ", "minoritários ", "marginais", entre outros, obrigaram os ciganos a desenvolver novos meios de adaptação. Esta nova realidade obriga as diferentes comunidades ciganas a renovadas adaptações no caso de pretenderem manter uma relativa independência económica e cultural. Para conseguir estes objectivos, diz o autor, muitas comunidades ciganas começam a procurar a escola porque somente a escolarização lhes permite "tirar a carta", como referem. A resistência cultural cigana, também aqui se manifesta.

Para não serem absorvidos pela cultura dominante, a única defesa dos ciganos é utilizarem a escola sem se renderem a ela.

Uma análise critica das condições de escolarização das crianças ciganas facilmente nos remeterá para as seguintes duas considerações, como refere Jean- Pierre Liégeois: primeiro, os ciganos não são um "problema social" nem um "grupo problemático"; em segundo lugar a " questão escolar" é mais um problema de ordem política e económica, do que um problema de escola e de pedagogia, na medida em que o seu peso é relativo quando compreendido numa realidade que é muito complexa. A questão cigana é mais um problema da sociedade do que um problema pedagógico. As políticas foram sempre, no que se refere aos ciganos, políticas de negação das pessoas e da sua cultura. As diferentes políticas podem ser agrupadas, segundo Jean- Pierre Liégeois, em tomo de três grandes categorias: a exclusão, a reclusão e mais recentemente a inclusão. Não se excluindo mutuamente, estas políticas, do ponto de vista histórico, evoluíram da exclusão para a inclusão. Como são caracterizadas estas políticas? Para o Autor as políticas de exclusão das comunidades ciganas caracterizavam-se pela expulsão, proibições diversas e punições. Punições que passavam pela marcação com ferros em brasa, enforcamento etc. A política de exclusão irá transformar-se em políticas de reclusão. Esta política é entendida como a integração, de forma autoritária e geralmente violenta, dos ciganos na sociedade que os rodeia. A falta de braços remete-os para as galés, a resistência dos ciganos às políticas de reclusão tornam lícito disparar sobre eles e privá-los da vida. Mas também esta política se manifestou globalmente ineficaz, surgindo a partir da segunda metade do séc. XX as políticas de inclusão. Independentemente dos eufemismos utilizados, estas políticas caracterizam-se, no fundamental, pela vontade de assimilação dos ciganos, como é demonstrado pelo nosso Autor. As imagens que se construíram acerca dos ciganos tendem a apagar/ignorar todos os aspectos culturais e a fazer emergir os ciganos como um "problema social". As imagens que se constroem e que se cristalizam fazem deles um "problema social", é necessário "reintegrá-los" no resto da sociedade. Manifestam "inadaptações sociais" quando se pretende inclui-los, razão pela qual as políticas de inclusão consideram a necessidade de os inserir no espaço social e esquecer o seu espaço cultural e étnico.

Estas políticas tendem a construir um cigano imagético e não real: o cigano não é definido como ele é, mas sim como é necessário que seja, por motivos de ordem sócio-política.

Para o Estado, diz Jean- Pierre Liégeois, as políticas de inclusão apresentam vantagens face às da reclusão. Baseiam-se no espírito da época, são politicamente correctas, mais eficazes, mais radicais, mais igualitárias e o incluso é recompensado pelo seu alinhamento. A "integração social" é benéfica e compensatória.

Todos acham que conhecem os ciganos, diz Jean- Pierre Liégeois. E de uma forma geral são poucos os que não exprimem de uma forma categórica o seu conhecimento dos ciganos. Existem mesmo, entre nós, "especialistas" que falam sobre as questões ciganas. Mas na realidade o que se tem são ideias que se foram construindo sobre os ciganos a partir do século XV e que se foram rapidamente cristalizando sob a forma de estereótipos. Os ciganos são pouco conhecidos. Na realidade o que se manifesta mais em relação a eles é um certo romantismo ou alarmismo, e o pior é que na maior parte das vezes a realidade é largamente ultrapassada pelo imaginário. A assimilação ou a rejeição constroem argumentos para os seus discursos e justificações para os seus actos. As atitudes menos negativas para com os ciganos expressaram-se e expressam-se pela simpatia romântica ligada ao folclore, ou uma certa curiosidade intelectual mesclada de compaixão, mas logo que a oportunidade surge são de imediato reactivados os aspectos mais negativos das imagens que se criaram dos ciganos. O cigano imaginado, as imagens manipuladas são representações que nos remetem para a necessidade de questionar a nossa relação com as comunidades ciganas. Foi no âmbito das políticas multiculturais de assimilação que se desenvolveu a noção de "dificuldades de adaptação" aos contextos sociais e culturais, se construiu a ideia de aluno "instável, "atrasado", "inadaptado". Rótulos que têm regras processuais de funcionamento que são estigmatizantes para as crianças ciganas. Estas teorias, sendo efémeras e já contraditadas, persistem em existir, como refere o nosso Autor. A integração é um mal necessário, defendem alguns. Jean É uma concepção etnocêntrica que se desenvolve segundo o seu próprio ponto de vista, num espírito contrário ao que postula a educação intercultural. E esta postula que o pluralismo cultural só se transforma em interculturalidade se as trocas forem igualitárias. Para a criança cigana os significantes utilizados na escola não remetem para nenhum significado.

A criança está habituada a manipular realidades concretas e simbólicas que não correspondem às da escola, não está preparada para ter sucesso numa escola que não se adapta a ela, que valoriza registos diferentes dos seus.

Os conteúdos de ensino e possivelmente as formas de o apresentar não são adequados porque não emergem de uma pedagogia "centrada sobre aquele que aprende". Jean- Pierre Liégeois escreve: uma criança não pode levar duas experiências sociais e culturais paralelas, saltando de uma para a outra cada vez que passa a porta da escola. Numa concepção intercultural da escola são as características da criança que devem servir de base as opções pedagógicas e não um obstáculo, como acontece quando são desvalorizadas. Sendo assim, aceitar a criança cigana na escola significa ter em conta o que se passa fora da escola, nos diferentes domínios económicos, educativos, habitacionais, entre outros, em que a criança vive. A cultura cigana quando se expressa na escola aparece quase sempre como um "anexo" e de uma forma geral manifesta-se através do folclore. Uma escola intercultural deve mostrar-se flexível na sua estrutura e funcionamento de forma a permitir que culturas diferentes se exprimam de formas diferentes.

A educação intercultural continua a ser um projecto. Um projecto que se deve consubstanciar numa "pratica social vivida". A interculturalidade não pode visar uma hibridação intelectual dos alunos, através da manipulação pedagógica, mas antes o seu enriquecimento e a compreensão mútua por meio de aprendizagens baseadas nos antecedentes culturais da cada um deles, diz Jean- Pierre Liégeois. A manipulação folclórica é muitas vezes feita sob a capa de uma interculturalidade mal compreendida, de elementos culturais próximos dos estereótipos: dança, musica, culinária não podem ser separados da compreensão dos respectivos contextos. Não necessitamos de falar de pedagogia intercultural para valorizar tudo o que vai no sentido da aceitação do outro. O papel da escola é esse, deverá ser esse: participar na valorização e na compreensão das diferenças e transformar os antagonismos em diferenças mais bem compreendidas.

A interculturalidade permite que indivíduos diferentes vivam a sua diferença sem, no entanto, ficarem reduzidos a ela.

É uma "ferramenta de negociação". A pedagogia da interculturalidade edifica-se quando os objectivos são as aprendizagens de base úteis para a criança, para uma adaptação activa ao seu meio, que lhe permita fazer parte dele e ser sujeito da sua existência. A educação intercultural constrói e implica uma atitude simultaneamente receptiva e criativa de toda a comunidade escolar. Neste livro está claro que os desafios que a interculturalidade nos coloca nada têm a ver com a formação de professores "especialistas" em cultura cigana ou de outra qualquer. Os professores devem ser formados para o acolhimento da diversidade através da flexibilização dos conteúdos, sem ideias preconcebidas sobre as crianças. A sua formação deverá ser concebida de forma a não ser, ou ser o menos possível, um agente de aculturação.

A formação inicial e contínua de professores merecem de Jean- Pierre Liégeois o seguinte comentário: é necessário ter cuidado com as práticas aqui desenvolvidas. Normalmente as instituições do ensino superior, por razões diversas e complexas, desenvolvem políticas formativas que padecem de alguma ambiguidade, ambiguidade esta que acaba por remeter os formandos para menus formativos em que se aprende a "domesticação em conformidade". Sobre o papel dos investigadores Jean- Pierre Liégeois refere a sua extrema importância para a edificação de um novo olhar sobre as comunidades ciganas. Deveremos, no entanto, também aqui estar atentos, como diz o Autor, e assumir uma atitude reflexiva e critica no sentido de denunciar estudos que, partindo de textos africanistas e/ ou americanistas, fazem generalizações abusivas, perigosas e falsas sobre as comunidades ciganas. É importante referir, diz Jean- Pierre Liégeois, que a posição do investigador no domínio cigano não é fácil. Este livro é uma fonte de conhecimentos, uma memória de factos, um excepcional documento de referência. Faz recomendações, apelos à necessidade de concertação, de mediação, de coordenação, de flexibilidade, de estudo, de reflexão e avaliação.

Carlos Jorge Sousa

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

50 Mulheres Gitanas en La Sociedade Espanhola



El libro que presentamos aquí, en versión electrónica, forma parte de las acciones contempladas en el convenio de colaboración entre la Fundación Secretariado General Gitano (Área de Mujer) y el Instituto de la Mujer para el año 2002 y con la cofinanciación del Fondo Social Europeo.

Se trata de una publicación que recoge breves historias de vida de cincuenta mujeres gitanas de distintos puntos de la geografía española y que han conseguido un nivel de promoción personal y social a la vez que una presencia relevante en distintas esferas de la vida pública española tales como el empleo, la educación o el asociacionismo.

Este libro demuestra que las mujeres gitanas no viven ajenas al proceso de cambio y transformación de la sociedad y que ellas son piezas clave en el avance y promoción de su comunidad. Pero ser ciudadana gitana en estos días no es una tarea fácil ya que tienen que hacer convivir tradición y modernidad a la vez que hacer visible su papel en la sociedad. A través de estas páginas se muestra precisamente la lucha de cincuenta mujeres gitanas, que son sólo un ejemplo de lo que están haciendo muchas otras, por ser ciudadanas de pleno derecho sin renunciar a la esencia de su cultura.

Pretendemos por tanto, ofrecer otra visión de las mujeres gitanas. Mostrar una realidad, muchas veces oculta, que contribuya a un mayor conocimiento de la cultura gitana así como a una disminución de los estereotipos acerca de las mujeres gitanas.

Este libro va dirigido a todos y cada uno de los miembros de la sociedad mayoritaria; a los agentes sociales, administraciones públicas y medios de comunicación, en un intento por contribuir a la eliminación de las barreras y obstáculos que impiden la plena participación de las mujeres gitanas en igualdad de oportunidades.

Esperamos que disfrutes con estas historias que te introducirán en el rico y diverso mundo gitano, conociendo la realidad narrada de primera mano y comprendiendo los esfuerzos que muchas veces tienen que hacer las personas, remando a contracorriente, para seguir siendo ellas mismas.


Livro Versao Eletronica
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quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Palavras que podem se perder

Estudo pode resgatar dialeto calon falado por ciganos no norte
de Goiás. Até hoje não há registros escritos da língua

Uma língua ágrafa – cujo conteúdo não se encontra registrado em livros e é apenas falada – pode desaparecer com o tempo. Com ela, se perdem também a cultura, a identidade e os costumes de um povo. Preocupado com essa questão, o pesquisador do Instituto de Letras (IL) da Universidade de Brasília (UnB), o mestre em Lingüística Fábio José Dantas Melo, mergulhou na cultura dos ciganos Calon, que vivem em Mambaí, nordeste do estado de Goiás, a 250 km de Brasília. Sua intenção: recuperar o dialeto falado por essa comunidade.

Os Calon são ciganos provenientes da Península Ibérica, remanescentes do subgrupo calé, que partiu da Índia e passou por vários lugares até se instalar na Espanha, depois em Portugal e por fim no Brasil. Ao se instalar em Goiás na década de 1970, o grupo deixou de ser nômade e hoje soma 114 famílias Calon, totalizando mais de duas mil pessoas.

Durante um ano e meio, período em que fez o mestrado, Melo fez várias visitas ao povoado e elegeu quatro representantes, entre os anciãos da comunidade, para conhecer o idioma. Essas pessoas escolhidas pelo pesquisador tinham o dialeto menos influenciado pelo português. A idéia era descobrir palavras que fazem parte do cotidiano deles e têm correspondentes na língua portuguesa e verificar a proximidade com o romani, língua primordial dos ciganos. A pesquisa está registrada na dissertação de mestrado de Melo, intitulada O Romani dos Calon na Região de Mambaí: Uma Língua Obsolescente e orientada pelo professor do Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV), Hildo Honório do Couto. O mestrado foi defendido em março de 2005.

Na pesquisa, Melo registrou 407 palavras do dialeto cigano. Mas o estudo deve prosseguir no doutorado com a produção de um dicionário. O resultado final será entregue à comunidade, que se beneficiará com o registro da língua, aumentando, assim, as chances de sua preservação.

MORTE GRADUAL – O bacharel em Letras percebeu forte influência do português na língua falada pelos ciganos, o que pode levar a uma morte gradual do dialeto. Crianças e jovens entre si falam mais o português e uma ou outra palavra em calon. Os mais novos não aprendem a língua cigana na escola, pois o aprendizado se dá apenas pela transmissão oral. Os adultos falam o calon mesclado com o português com as crianças, mas optam pelo calon entre si. Ainda assim, alguns adultos já mostram sinais de deterioração da língua cigana. Ela é mais utilizada em ocasiões de negócio, quando os mais velos querem manter segredo, e para mandar recados.

Melo percebeu que a língua cigana apresenta a mesma ordenação de sujeito, verbo e predicado que a língua portuguesa. Além disso, também há palavras cujo padrão de ordenação de vogais e consoantes imita o do português. Em outras situações, as palavras ciganas aparecem soltas em frases do português. “Devido à convivência direta com os brasileiros, a língua dos ciganos foi se tornando mista. Encontrei palavras como agurã (agora) e arguduni (algodão), que parecem muito com o português”, diz Melo.

QUEM SÃO OS CALON – São ciganos que vieram da Península Ibérica, do subgrupo calé, e foram degredados para o Brasil na segunda metade do século XVI. Esse subgrupo foi subdivido em gitanos na Espanha, falantes do caló, em calão em Portugal e em Calon, no Brasil. No Brasil, os Calon estão situados nas regiões de Mambaí (nordeste de GO), Posse (GO), Trindade (GO), Sousa (Paraíba), no Paraná e em outras localidades ainda não-registradas. O chefe da comunidade de Mambaí é o Dálcio Alves da Silva.

Nessa região, os ciganos moram em casas de alvenaria. Os homens vivem da corretagem (construção de casas para alugar), da compra e venda de carros e alguns são seguranças em fazendas. As mulheres lêem a sorte e vendem colchas e toalhas de mesa. O grupo valoriza muito a convivência familiar e, ao contrário da tradição, já aceita o casamento de ciganos com pessoas de fora do grupo. As crianças estão matriculadas em escolas e são alfabetizadas em português.

Os Calon, assim como outros ciganos, valorizam bastante as vestimentas, gostando de roupas coloridas. Os homens usam chapéus e botas de boiadeiro e alguns ostentam dentes de ouro. As principais festas da comunidade são o batizado e o casamento, como na igreja católica.

Palavras identificadas pelo pesquisador em calon
criança - chaburron
árvore - cais
amigo – unga ron que camêla mistori
falar - ariquéldar
beijo - esturdá
bonito - babanon
deus - duveli
mãe - dai
casamento - rimidinhar
linguagem - chibi

Palavras de influência do português e modificadas por eles
agora – agurã
nosso – noska
algodão - arguduni

Sinais de deterioração da língua
- Ordenação da frase semelhante ao português
- Seqüência de vogais e consoantes parecidas com o português
- Perda das terminações indicativas das funções sintáticas

CONTATO
Mestre em Lingüística pela UnB Fábio José Dantas de Melo pelo e-mail fabiojose@unb.br e pelo telefone (61) 9245 1068.

Conteudo da Secretaria de Comunicacao da Universidade de Brasilia

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

"Pedras de tropeço" para não esquecer vítimas do Holocausto


Vítimas do nazismo são lembradas numa calçada em Colônia

Vítimas do nazismo são lembradas numa calçada em Colônia

Em várias cidades alemãs continuam sendo colocadas as "pedras de tropeço", uma iniciativa do artista alemão Gunter Demnig. Ao todo, já há mais de 13,5 mil marcos em quatro países, lembrando as vítimas do Holocausto.

"Aqui morou" – um ser humano, um nome, uma data de nascimento. E o seu destino: a data da sua deportação, geralmente para um campo de concentração. Na placa de latão pregada numa pedra de concreto de 10x10cm não há espaço para mais. E mais não é necessário. Porque é precisamente esta a intenção do projeto de Gunter Demnig: "As pedras são colocadas diante dos últimos locais onde as vítimas do Holocausto residiram por vontade própria".

Quem passa por elas não tropeça literalmente, como o nome faz pensar, mas se depara "com a memória e o coração", diz o artista plástico Gunter Demnig, o iniciador das pedras de tropeço, as Stolpersteine.


Estampar o nome é reviver a memória


Gunter Demnig em sua oficina

Gunter Demnig em sua oficina


Em 1993, Demnig teve a idéia de homenagear as mil pessoas das etnias dos sintos e rom que haviam sido deportadas a partir de Colônia em apenas um dia. Com o tempo, o artista fixou placas em metal com a inscrição "1940: 1000 Rom e Sintos”, em vários pontos, marcando o caminho das casas das vítimas até o bairro de Deutz, em Colônia.

Uma senhora que passou por ele uma vez disse-lhe que naquela parte da cidade nunca haviam vivido sintos ou rom. Aí ficou claro para Demnig: tanto as pessoas dessas etnias como judeus, vítimas da perseguição nazista, haviam se integrado de tal forma na sociedade local que a vizinhança não se apercebera das suas origens.

Até Hitler subir ao poder na Alemanha, em 1933, a etnia de uns e as crenças de outros não haviam importado. E aí ficou claro para Demnig: Auschwitz e os outros campos de concentração eram o destino das vítimas. Mas o início desse fim estava ali, aos olhos de todos, às suas portas, nas suas casas.

“É no caminho diário de quem por aqui passa que se deve trazer à memória a tragédia que se viveu entre 1933 e 1945.” Porque as calçadas das ruas ninguém pode contornar. E lá estão elas, em tantas ruas, à frente de casas, ou lá onde antes havia casas, as pedrinhas de cor dourada, incorporadas no solo, marcam “aqui morou” alguém.

Curvar-se diante das vítimas

Demnig enfrenta ainda hoje alguns obstáculos para dar continuidade à colocação das suas pedras nas calçadas. A presidente da comunidade judaica de Munique, por exemplo, vê as esculturas como atração para neonazistas e motivo para abusos perante as vítimas. Para Demnig “são argumentos falsos e injustos” – já que, para ver a pedra e ler o que lá está escrito, “é preciso curvar-se perante cada nome”.

A idéia em que as “pedras de tropeço” se assentam é precisamente a de polir a memória ao se passar por cima delas: enquanto aquelas que estão em locais mais isolados oxidam, as que se encontram em ruas movimentadas brilham e o seu texto mantém-se legível.

Começar por algum lado…

Não é possível atribuir um número total exato à quantidade de vítimas do nazismo. A estimativa é de que tenha rondado os seis milhões. “Seis milhões de pedras você não vai conseguir colocar. Mas pode começar!”, foi o incentivo que Gunter Demnig recebeu de um padre no início do seu projeto. E Demnig pôs mãos à obra – literalmente.

As primeiras pedras foram colocadas em Berlim, ainda que ilegalmente. Só mais tarde viria a luz verde para avançar. Depois foi a vez de Colônia e, desde 2000, o projeto flui. As pedras de tropeço custam 95 euros e são financiadas por doações e apadrinhamentos, normalmente por escolas ou associações. Hoje, elas podem ser vistas em cerca de 300 localidades na Alemanha, 11 na Áustria, 13 na Hungria e, desde o final de novembro, na Holanda, o primeiro país a oeste da Alemanha a participar do projeto.