Estudo pode resgatar dialeto calon falado por ciganos no norte
de Goiás. Até hoje não há registros escritos da língua
Uma língua ágrafa – cujo conteúdo não se encontra registrado em livros e é apenas falada – pode desaparecer com o tempo. Com ela, se perdem também a cultura, a identidade e os costumes de um povo. Preocupado com essa questão, o pesquisador do Instituto de Letras (IL) da Universidade de Brasília (UnB), o mestre em Lingüística Fábio José Dantas Melo, mergulhou na cultura dos ciganos Calon, que vivem em Mambaí, nordeste do estado de Goiás, a 250 km de Brasília. Sua intenção: recuperar o dialeto falado por essa comunidade.
Os Calon são ciganos provenientes da Península Ibérica, remanescentes do subgrupo calé, que partiu da Índia e passou por vários lugares até se instalar na Espanha, depois em Portugal e por fim no Brasil. Ao se instalar em Goiás na década de 1970, o grupo deixou de ser nômade e hoje soma 114 famílias Calon, totalizando mais de duas mil pessoas.
Durante um ano e meio, período em que fez o mestrado, Melo fez várias visitas ao povoado e elegeu quatro representantes, entre os anciãos da comunidade, para conhecer o idioma. Essas pessoas escolhidas pelo pesquisador tinham o dialeto menos influenciado pelo português. A idéia era descobrir palavras que fazem parte do cotidiano deles e têm correspondentes na língua portuguesa e verificar a proximidade com o romani, língua primordial dos ciganos. A pesquisa está registrada na dissertação de mestrado de Melo, intitulada O Romani dos Calon na Região de Mambaí: Uma Língua Obsolescente e orientada pelo professor do Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV), Hildo Honório do Couto. O mestrado foi defendido em março de 2005.
Na pesquisa, Melo registrou 407 palavras do dialeto cigano. Mas o estudo deve prosseguir no doutorado com a produção de um dicionário. O resultado final será entregue à comunidade, que se beneficiará com o registro da língua, aumentando, assim, as chances de sua preservação.
MORTE GRADUAL – O bacharel em Letras percebeu forte influência do português na língua falada pelos ciganos, o que pode levar a uma morte gradual do dialeto. Crianças e jovens entre si falam mais o português e uma ou outra palavra em calon. Os mais novos não aprendem a língua cigana na escola, pois o aprendizado se dá apenas pela transmissão oral. Os adultos falam o calon mesclado com o português com as crianças, mas optam pelo calon entre si. Ainda assim, alguns adultos já mostram sinais de deterioração da língua cigana. Ela é mais utilizada em ocasiões de negócio, quando os mais velos querem manter segredo, e para mandar recados.
Melo percebeu que a língua cigana apresenta a mesma ordenação de sujeito, verbo e predicado que a língua portuguesa. Além disso, também há palavras cujo padrão de ordenação de vogais e consoantes imita o do português. Em outras situações, as palavras ciganas aparecem soltas em frases do português. “Devido à convivência direta com os brasileiros, a língua dos ciganos foi se tornando mista. Encontrei palavras como agurã (agora) e arguduni (algodão), que parecem muito com o português”, diz Melo.
QUEM SÃO OS CALON – São ciganos que vieram da Península Ibérica, do subgrupo calé, e foram degredados para o Brasil na segunda metade do século XVI. Esse subgrupo foi subdivido em gitanos na Espanha, falantes do caló, em calão em Portugal e em Calon, no Brasil. No Brasil, os Calon estão situados nas regiões de Mambaí (nordeste de GO), Posse (GO), Trindade (GO), Sousa (Paraíba), no Paraná e em outras localidades ainda não-registradas. O chefe da comunidade de Mambaí é o Dálcio Alves da Silva.
Nessa região, os ciganos moram em casas de alvenaria. Os homens vivem da corretagem (construção de casas para alugar), da compra e venda de carros e alguns são seguranças em fazendas. As mulheres lêem a sorte e vendem colchas e toalhas de mesa. O grupo valoriza muito a convivência familiar e, ao contrário da tradição, já aceita o casamento de ciganos com pessoas de fora do grupo. As crianças estão matriculadas em escolas e são alfabetizadas em português.
Os Calon, assim como outros ciganos, valorizam bastante as vestimentas, gostando de roupas coloridas. Os homens usam chapéus e botas de boiadeiro e alguns ostentam dentes de ouro. As principais festas da comunidade são o batizado e o casamento, como na igreja católica.
Palavras identificadas pelo pesquisador em calon
criança - chaburron
árvore - cais
amigo – unga ron que camêla mistori
falar - ariquéldar
beijo - esturdá
bonito - babanon
deus - duveli
mãe - dai
casamento - rimidinhar
linguagem - chibi
Palavras de influência do português e modificadas por eles
agora – agurã
nosso – noska
algodão - arguduni
Sinais de deterioração da língua
- Ordenação da frase semelhante ao português
- Seqüência de vogais e consoantes parecidas com o português
- Perda das terminações indicativas das funções sintáticas
CONTATO
Mestre em Lingüística pela UnB Fábio José Dantas de Melo pelo e-mail fabiojose@unb.br e pelo telefone (61) 9245 1068.
Conteudo da Secretaria de Comunicacao da Universidade de Brasilia