terça-feira, 9 de outubro de 2007

Cigano Rom Schack August Steenberg Krogh


Cientista Dinamarquês Cigano Rom Ganhador do Prémio Nobel da Medicina em 1920



Resumo
A Medicina é composta por inúmeros nomes que ajudaram a desenvolver um emaranhado de conhecimentos que hoje são muito difundidos. Shack August Steenberg Krogh é certamente parte dessa evolução pela qual a Medicina passou nas ultimas décadas. Médico e Fisiologista dinamarquês, ao concluir o curso de Medicina, interessou-se pelo estudo da respiração e dos movimentos sangüíneos. Em 1920, após anos de pesquisa, descobriu o mecanismo que regula o movimento dos capilares sangüíneos e suas trocas gasosas, proporcionando respostas a grandes dúvidas existentes na época, e que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina daquele ano. Krogh fez toda a sua formação e trabalhos na Dinamarca, onde faleceu em 1949, respeitado e admirado como grande fisiologista e pesquisador, e deixando inúmeros outros trabalhos que colaboraram para o crescimento e desenvolvimento da prática médica no século XX.


Introdução
Em 1901, cinco prêmios foram entregues em cinco áreas distintas: Física, Química, Literatura, Medicina e Fisiologia, e esforço em prol da Paz. Foram os cinco primeiros laureados com o Prêmio Nobel, criado e distribuído pela Fundação Nobel, cujo grande incentivador foi o pesquisador e filantropo Alfred Nobel.
Nobel, filho de engenheiros suecos, tornou-se milionário devido as suas pesquisas no campo dos explosivos. Em 1866, Nobel conseguiu isolar o TNT nas conhecidas dinamites, e passou a comercializá-las em todo o mundo, instalando-se em mais de 20 países, detendo mais de 350 patentes, e acumulando uma fortuna que chegou a ser considerada na época como uma das maiores do mundo. Entretanto, Nobel sabia que suas descobertas poderiam causar mal a muitas pessoas, caso fossem usadas de modo indevido. Por isso, sempre demonstrou imensa preocupação e apoio aos movimentos em prol da paz. Antes de falecer, Nobel decidiu destinar a sua fortuna para a criação de uma fundação que financiasse cinco prêmios internacionais para quem se destacasse em 4 áreas específicas (Física, Química, Literatura e Medicina e Fisiologia) e uma em especial para quem se empenhasse em prol da paz e amizade entre as nações. O prêmio é constituído de uma medalha de ouro, um diploma e um valor em dinheiro, que atualmente atinge a cifra de aproximadamente US$ 1 milhão.
Com a instituição do Prêmio Nobel de Medicina, as grandes descobertas passaram a ser amplamente divulgadas, e houve assim um grande incentivo para o aumento das pesquisas na área. Muitos dos laureados com o prêmio foram responsáveis pelo desenvolvimento da Medicina ao longo do século XX. Desta maneira, o Prêmio Nobel faz parte da história evolutiva da Medicina.
É indiscutível que a Medicina passa hoje por avanços que talvez, há muitos anos, eram considerados praticamente impossíveis. A descoberta de agentes causadores de doenças, vacinas, curas para várias patologias, tratamentos diversos, métodos diagnósticos cada vez mais precisos, tem contribuído de maneira decisiva para o aperfeiçoamento da pratica médica. Por outro lado, tem-se deixado de lado algo que é, indubitavelmente, muito importante para a formação médica: a história da Medicina. Fala-se muito sobre as novas tecnologias e técnicas para o desenvolvimento médico e deixa-se para trás as grandes descobertas do passado. Muitos dos avanços presenciados atualmente são conseqüências de estudos realizados ao longo das ultimas décadas, ou até séculos.
A necessidade de se conhecer a história da Medicina está na capacidade de poder compreender que o desenvolvimento de uma ciência é um processo gradual e demorado. Uma citação clássica dos historiadores, que diz que “é preciso conhecer o passado para entender o presente e melhorar o futuro”, sintetiza muito bem a importância do estudo sobre os acontecimentos passados. Na Medicina em especial, com a velocidade espantosa com que as descobertas e o desenvolvimento de novas tecnologias surgem a cada dia, conhecer a história é poder analisar sobre as dificuldades que anatomistas, fisiologistas, patologistas, enfrentavam para poderem concluir suas pesquisas. A falta de investimentos, a limitação de técnicas e instrumentos, laboratórios especializados, enfim, uma estrutura que possibilitasse a busca por melhores resultados, não impedia que se procurasse compreender e solucionar as grandes dúvidas que cercavam o meio científico, e integrar esse conhecimento. Por isso, deve-se conhecer o passado da Medicina, para melhor entender o que está acontecendo no presente, e assim buscar melhorar ainda mais no futuro.
Desta maneira, o objetivo deste presente estudo é fazer uma revisão bibliográfica da vida e da obra de Shack August Steenberg Krogh, um dos grandes pesquisadores sobre a fisiologia do ser humano e que foi laureado com o Prêmio Nobel de Medicina em 1920 com a descoberta do mecanismo que regula o movimento do fluxo sangüíneo nos vasos capilares e suas trocas gasosas durante o repouso e o exercício muscular intenso, demonstrando assim importância de se conhecer o legado daqueles que colaboraram para o crescimento e desenvolvimento da prática médica, estimular o interesse sobre a pesquisa durante e após a graduação, e instigar a curiosidade dos alunos das escolas médicas sobre a evolução da história da Medicina.

Desenvolvimento
Ao contemplarmos a vida e a obra de Schack August Steenberg Krogh, nos deparamos com um cientista muito à frente do seu tempo. A busca por novos horizontes dentro da pesquisa científica, uma curiosidade aguçada e a vontade de desvendar as grandes dúvidas existentes entres os pesquisadores de sua época o levaram a um patamar atingido por poucos através da história evolutiva da Medicina. Apesar de uma vasta obra no campo das ciências, era um cientista reservado, permanecendo praticamente toda a sua vida na Dinamarca, o que trouxe uma certa dificuldade na busca por dados mais detalhados sobre a sua biografia. Entretanto, as referências ao seu trabalho são inúmeras e compõem a maior parte dos resultados obtidos por essa pesquisa.

Biografia
August Krogh nasceu na Dinamarca, em 15 de novembro de 1874, filho de Viggo Krogh, construtor de navios, e Marie, née Drechmann. Desde muito novo, ainda na escola, demonstrava grande interesse em ciências naturais. Aos 12 anos, por exemplo, já havia estudado dois livros de muito reconhecimento científico na época: O Livro das Descobertas (sete volumes, 4.288 páginas, 2.115 figuras) e As forças da natureza (três volumes, 1.508 páginas, 868 figuras), reproduzindo parte das experiências contidas nestes livros. Incentivado pelo professor e amigo Willian Sörensen, passou a interessar-se particularmente por zoologia. Em 1893, começou o curso de Medicina na Universidade de Copenhagen, e após assistir uma palestra do famoso fisiologista Christian Bohr, em 1895, decidiu dedicar-se a zoofisiologia. Assim, aprimorando seus estudos, galgou e conseguiu uma vaga no departamento de Bohr, como assistente, em 1897. Antes disso, em laboratórios da faculdade, Krogh já desenvolvia inúmeras experiências, algumas simples e outras mais elaboradas, tais como o estudo sobre o mecanismo hidrostático das larvas de Corethra, e continuou seu trabalho após a admissão ao departamento de Bohr.
A carreira científica de Krogh começou a partir desta pesquisa com as larvas de Corethra. Essas larvas têm um mecanismo que as permitem imergir ou submergir a partir de bexigas fechadas de ar. Krogh estava disposto a provar que estes organismos funcionavam como tanques de mergulho de um submarino, com o seu conteúdo sendo regulado até o equilíbrio com a água ao redor ser restabelecido. Assim, criou um dispositivo que poderia analisar a composição do ar dentro dessas bexigas. Krogh utilizou-o para demonstrar que as bexigas de ar não continham oxigênio, porém quase exclusivamente gás nitrogênio, e para explicar como seus sistemas de regulação da pressão trabalhavam (a pressão de ar nas bexigas aumentava quando entrava água e diminuía quando saía água). Esses resultados, entretanto, não foram publicados antes de 1911. Mas Bohr ficou surpreendido com a aptidão natural de Krogh para trabalhar em laboratório, pois este elaborou seu experimento de maneira simples, e criou o equipamento necessário com extrema habilidade e engenhosidade, de tal forma que apenas ele conseguia manejá-lo. Assim, obteve carta branca para assumir os laboratórios de Bohr, apesar de sua juventude. Em 1902 Krogh tomou parte da expedição para Disko, North Greenland, onde ele estudou a pressão do CO2 e o oxigênio contido na água de fontes, córregos e no mar. Isso o levou a grandes resultados sobre a função dos oceanos na regulação do CO2 na atmosfera e também começou os princípios da medição tonométrica de gases dissolvidos que Krogh mais tarde aplicou em problemas fisiológicos (1904). Seus estudos durante esta viagem foram possíveis graças ao desenvolvimento de um dispositivo melhorado, ao qual deu o nome de tonômetro. Aos 32 anos (1906), ele venceu o Prêmio Seegen da Academia Australiana de Ciências por um trabalho sobre o papel da expiração de nitrogênio livre do corpo. Experimentos muito cuidadosos com Crisálidas, ovos e ratos mostraram uma produção extremamente pequena de nitrogênio gasoso cuja força é calculada como sendo resíduo de excreção da amônia ou, no caso dos ovos, como o ambiente vive fisicamente do nitrogênio dissolvido no corpo.
Em 1904, veio a público um trabalho de Krogh, juntamente com Bohr, que demonstrava que o dióxido de carbono reduzia a capacidade da hemoglobina de ligar-se ao oxigênio. De uma única vez, conseguiram explicar como o sangue transporta e libera oxigênio aos tecidos. Essa descoberta ficou conhecida como efeito Bohr, mas foi possível graças ao equipamento desenvolvido por Krogh, que podia medir a capacidade de oxigênio ligante no sangue. Anteriormente, Bohr executou medições que demonstraram que o sangue arterial era mais rico em oxigênio do que o sangue alveolar, assumindo assim a mesma posição de vários cientistas da época que acreditavam que o oxigênio passava por transporte ativo dos pulmões para o sangue.
Em 1903, Krogh escreveu uma dissertação que tratava sobre um estudo das trocas gasosas em rãs. Ele descobriu que, considerando que a respiração cutânea era relativamente constante, grandes variações ocorriam a respeito da respiração pulmonar. Esta parte da troca de gás era influenciada pelo nervo vago. Krogh interpretou esse resultado como outro exemplo da difusão de oxigênio que foi admitida por Bohr.Entretanto, logo ele começou a duvidar da precisão de sua conclusão – as observações podiam ser explicadas por uma ação vasomotora do vago – tanto quanto a toda a doutrina da difusão de gás nos pulmões. Juntamente com a colaboração de sua mulher, Dr. Marie Krogh, ele submeteu toda a questão da natureza das trocas gasosas nos pulmões a uma nova examinação. Por este propósito, ele construiu seu bem conhecido microtonômetro, onde a equalização de tensão com sangue tomou lugar contra a bolha de ar e aproximadamente 0,01mL. A superfície relativa então sendo muito grande, o equilíbrio é rapidamente obtido, e, pelos micrométodos de analise de gás desenvolvido por Krogh, a composição final da bolha de ar poderia facilmente ser determinada. A tensão do gás na circulação sangüínea arterial era desta maneira determinada e comparada entre aquela nos alvéolos pulmonares e a obtida no fim da expiração. Isso desmistifica a tese de que a tensão do oxigênio era sempre maior no ar alveolar do que no sangue arterial, portanto, que a difusão sozinha era suficiente para explicar a troca de gás (1911). Esses experimentos fundamentais foram assim opostos às visões de Bohr, que em 22 de abril de 1907 viu o experimento, percebeu a razão de Krogh, e a partir deste dia nunca mais conversou com ele.
O fato acima, tão longamente contado, é o divisor de águas na carreira desse grande cientista. Krogh desmistificou a obra de seu mestre, desafiando uma teoria aceita amplamente até então. A partir destes experimentos, publicados apenas em 1911, após a morte de Bohr, e com grande respeito da comunidade científica da época, Krogh ganhou notoriedade. E seu interesse sobre a ação dos mecanismos fisiológicos da respiração e difusão dos gases no corpo humano ganhou cada vez mais força. Os resultados obtidos espalham uma nova luz no complexo mecanismo que possibilita o organismo responder a variação da demanda de oxigênio. Afinal de contas, um sem número de perguntas que estavam até então sem resposta passaram a receber colaboração de Krogh para a sua elucidação. Como a distribuição de oxigênio pelo corpo humano era responsabilidade do snague arterial, Krogh passou a investigar de forma mais incisiva o fluxo sangüíneo, e suas variações. É a partir desse momento que seu trabalho começa a tomar o rumo do Prêmio Nobel.
Intensificando sua pesquisa sobre circulação sistêmica, Krogh adotou uma idéia que havia sido introduzida por A. Bornstein e desenvolveu um método baseado no óxido nitroso para determinação do fluxo geral de sangue. Desta maneira, Krogh pôde observar que, durante o trabalho muscular, o fluxo sangüíneo aumentava consideravelmente. Krogh considerou que isto era devido às variações de enchimento durante a diástole cardíaca. O suprimento de sangue venoso deve, portanto ser variável dentro de amplos limites e deve durante o repouso ser inadequado para encher os ventrículos. Esta conclusão foi fortalecida em uma análise do mecanismo subjacente (1912) que conduziu também a conclusão que o sistema porta-hepático age como um regulador geral da pressão das veias centrais e desse modo na saída do coração. Além disso, Krogh percebeu que havia um grande aumento no consumo de oxigênio durante esse trabalho muscular intenso. Como já havia sido descrita na literatura científica da época, a quantidade de oxigênio presente nas fibras musculares durante o repouso era muito baixa, sendo apenas o suficiente para nutrir as células e conservar a homeostase. Assim, Krogh concluiu que, para suportar a demanda de oxigênio necessária para nutrir o músculo que está em atividade, a superfície de difusão do oxigênio deveria ser aumentada. Através de suas experiências com difusão de gases nos tecidos animais, e considerando que essas ocorrem nos capilares sangüíneos, chegou à conclusão de que, quando ocorre um exercício muscular intenso, novos capilares que estavam fechados abrem-se, ampliando a superfície pela qual o oxigênio pode se difundir. O contrário acontece no repouso. Essas investigações, contidas no livro A anatomia e a fisiologia dos capilares (1922), resultaram no Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1920, e serão discutidas mais detalhadamente adiante.
Em insetos, assim como vertebrados padrão, Krogh investigou o controle que a temperatura exercia no metabolismo do organismo, percebendo que esta poderia ser expressa pela fórmula de Arrhenius, além de estudar o desenvolvimento de diferentes animais, e que resultaram no livro As trocas respiratórias nos animais e no homem (1916). Além disso, passou a estudar a função respiratória dos insetos, investigando o seu sistema traqueal. As análises do ar do tubo traqueal do gafanhoto comum mostraram valores comparativamente baixos do oxigênio quando o CO2 expirado era relativamente pequeno - é colocado provavelmente para fora diretamente através da superfície por respiração cutânea de grande superfície, visto que o oxigênio é absorvido somente através das paredes da traquéia. Uma ventilação mecânica da traquéia é difícil devido a sua estrutura – em muitos casos nenhum movimento respiratório ocorre – mas experimentos feitos por Krogh (1920) demonstraram que a difusão do gás somente é suficiente para explicar a absorção de oxigênio. No curso de seus últimos estudos não publicados em gafanhotos Krogh encontrou que durante o vôo, quando há um consumo de oxigênio enormemente aumentado nos músculos da asa, um arranjo especial permite uma ventilação mecânica através da traquéia. Esses trabalhos mostraram uma função análoga à função dos capilares musculares nos vertebrados. O resumo de todos os estudos sobre a função respiratória compôs um livro que viria a ser publicado em 1940, chamado A fisiologia comparativa dos mecanismos respiratórios.
Durante os anos que se passaram, Krogh também estudou muito sobre a troca de água e íons inorgânicos nas membranas celulares, cujos resultados foram publicados na monografia Regulação osmótica em animais aquáticos (1937).
Além de todos esses trabalhos, Krogh ainda contribuiu para o desenvolvimento do tratamento para a diabetes. Sua esposa, Marie, médica e pesquisadora de doenças metabólicas, era portadora de diabetes tipo 2. Quando souberam, em 1922, que dois pesquisadores canadenses, Frederick Banting e Charles Best, estavam tratando experimentalmente pacientes com diabetes a partir da insulina do pâncreas bovino, pediram permissão para produzir a insulina na Dinamarca. Krogh, com investimento particular, criou o Nordisk Insulinlaboratorium, que passou a extrair insulina bovina, tratando os primeiros pacientes a partir de 1923.
Entre outros inventos, Krogh desenvolveu a bicicleta ergométrica, com a qual estudou e observou a dinâmica do trabalho muscular, da respiração pulmonar e da demanda de oxigênio durante um exercício físico intenso. Este aparelho constitui até hoje um instrumento essencial para o estudo na Medicina Esportiva, além de ser amplamente utilizado em academias e escolas para a pratica do ciclismo aeróbico.
A Krogh foi dado o título de Doutor Honorário pelas universidades de Edimburgo, de Budapeste, de Lund, de Harvard, de Göttingen, de Oslo, e de Oxford. Foi eleito membro da Academia de Ciência da Dinamarca (1916) e transformou-se membro estrangeiro de muitas outras academias e ligou-se a sociedades, entre elas a Sociedade Real, em Londres (1937). No mesmo ano, lhe foi concedido a medalha de Baly da Faculdade Real dos Médicos, Londres. Krogh também ocupou a cadeira de Presidente Ordinário da Associação de Professores em Zoofisiologia, criada em 1908 por iniciativa sua, de 1916 até 1945, ano em que se aposentou. Seu trabalho continuava, entretanto, no laboratório privado em Gjentofte, erguido por ele com a ajuda de Carlsberg e a Scandinavian Insulin Foundations. Schack August Steenberg Krogh e sua esposa Marie foram casados por 36 anos, quando esta faleceu em 1941. Tiveram 4 filhos, sendo um filho, que se tornou Preceptor de Anatomia na Universidade de Aarhus – posto que manteve até a sua morte – e três filhas. A mais nova é uma conhecida fisiologista nos EUA, obtendo reconhecimento através de importantes pesquisas em zoofisiologia, principalmente em colaboração com seu ex-marido, K. Schimidt-Nielsen. Krogh faleceu em 13 de setembro de 1949.

O Prêmio Nobel
O resultado das pesquisas de Krogh, que o levaram a conquistar o Prêmio Nobel, partiu de hipóteses que ele mesmo considerava pouco prováveis. A comunidade científica da época, que era composta de velhos e novos cientistas, entrava constantemente em atrito quanto aos trabalhos e novas propostas apresentadas que derrubavam, ou ao menos questionavam, os dogmas da ciência. Porém Krogh foi conclusivo.
O conhecimento dos capilares data do século XVII, quando se percebeu que veias e artérias eram grandes demais para cruzarem os tecidos do organismo. Também era sabido que a nutrição para estes tecidos se dava pelas paredes dos vasos, e que a circulação constante de sangue no corpo permitia essa nutrição. Assim, Krogh desenvolveu os passos de sua pesquisa. Primeiramente, ele investigou a provisão de oxigênio para os músculos. Os capilares seguem a trajetória das fibras musculares, e a imagem que se tinha na época era de que os capilares estavam sempre abertos, com um fluxo sangüíneo mais ou menos constante de sangue, e desta maneira, uma difusão constante de oxigênio. Mas Krogh sabia que a circulação arterial diminuía no repouso e aumentava na atividade muscular. Desta maneira, a conclusão a qual Krogh, em palavras suas, “era forçado a chegar”, era de que, no repouso, o sangue não circulava por todos os capilares, pois alguns se fechariam, e apenas abririam durante o exercício muscular.
A partir deste momento, surgiu a segunda dúvida: os capilares abertos estavam distribuídos regularmente nas fibras ou ficavam vazios de sangue por grupos quando a artéria que os supria se fechou?
Para solucionar esta questão, Krogh decidiu contar os capilares. Ele passou a injetar contrastes com tinta preta indiana que endurecessem mais tarde, via intravenosa, em músculos de animais, como rãs e cavalos. Assim, a pesquisa consistia em analisar um corte transversal do músculo destes animais durante o repouso e após um exercício muscular. No caso da rã, por exemplo, esta era sujeita a um trabalho muscular e em seguida era injetado o contraste, com o propósito de encontrar todos os capilares abertos. Considerando o imenso número de capilares existentes ao redor das fibras, tornavas-se muito difícil contabilizá-los. Então foi resolvido que era melhor passar para uma avaliação microscópica mais ampla, observando a regularidade ou não na distribuição dos capilares e a relação entre eles no repouso e após um exercício muscular. A diferença entre o músculo ativo e o descansado é demonstrada claramente em tais preparações, e encontrou-se que, se os capilares abertos são poucos ou numerosos, sua distribuição é sempre razoavelmente regular. Além disso, no que se refere à relação entre repouso e exercício, percebeu-se que no descanso os capilares abertos têm o seu diâmetro extremamente reduzido, enquanto durante o exercício apresentam seu diâmetro bastante aumentado.
Esses resultados comprovaram a teoria de Krogh, porém ele não estava completamente convencido. Ele percebeu que a ação de contrair a parede dos capilares e estes se fecharem ocorria de maneira independente. Mas o fato de haver essa contratura independente gerava outras dúvidas: a variação do diâmetro do capilar era independente da artéria que lhe originava ou não? O estímulo para a contração era mecânico, elétrico ou químico? Se estiver sob controle nervoso, qual é o nervo? Podem ser os elementos histológicos de contratibilidade visíveis em suas paredes? Esses eram questionamentos que ainda seriam investigados posteriormente.
Primeiramente, Krogh tentou resolver a questão sobre a independência ou não dos capilares com as artérias. Ele analisou a lingüeta de uma rã, por ser esta rica em capilares, e cuja estrutura permitia a visão imediata em microscopia. Ao excitar a lingüeta da rã com uma ponta de metal fina, ele percebia que havia dilatação capilar, porém, em apenas pequenos pontos. Conforme o estímulo aumentava, a dilatação aumentava proporcionalmente, até atingir uma artéria, quando assim começava um fluxo repentino de sangue para dentro do capilar. Esta experiência é importante porque mostra que a pressão venosa muito baixa é suficiente para encher os capilares cujas paredes são flácidas, enquanto a pressão arterial elevada não puder forçar a entrada em um capilar contraído. Desta maneira, percebeu-se que quando a dilatação de um capilar ocorre, isso não é possível por causa de um simples aumento na pressão arterial, e sim devido a uma mudança na condição das paredes dos capilares – no caso um relaxamento de seus elementos contráteis.
Os elementos que acionam o mecanismo de dilatação dos capilares podem variar muito. Os capilares da pele humana, por exemplo, dilatam-se quando a pessoa passa por situações emocionais ou mecânicas, como o exercício. Elementos químicos, como o uretano, causaram uma grande dilatação nos capilares da lingüeta da rã. Além disso, provocou uma permeabilidade ao plasma sangüíneo nas paredes dos capilares, deixando o capilar completamente cheio de elementos figurados do sangue, podendo ser uma explicação para os edemas.
Krogh comparou a lingüeta da rã com a pele humana, devido aos resultados obtidos serem muito semelhantes ao que se via em diversos momentos da vida do ser humano. O sinal do edema era o mesmo, o rubor e a cianose quando havia dilatação ou constrição excessiva, entre outros sinais importantes. Esta constatação, juntamente com fatos análogos, remete a conclusão de que a dilatação dos capilares não depende apenas da pressão arterial, mas também de uma mudança na condição das paredes destes capilares. Alargando-se as artérias, conduz somente a uma pressão mais elevada nos capilares, e a um fluxo mais rápido do sangue entre eles. A coloração maior ou pouco vermelha de um órgão depende, no primeiro exemplo, do índice do sangue dos capilares. Caso haja uma dilatação extrema dos capilares e das artérias, de modo que o fluxo do sangue se torne muito lento, e uma parte essencial do oxigênio do sangue seja gasta durante sua passagem, tem-se por resultado a coloração azul.
Um número muito grande de substâncias são encontradas que produzem a dilatação capilar e, por uma ação mais forte, o edema. É o caso da histamina, que promove vasodilatação e aumento da permeabilidade dos capilares. Daí o mecanismo dos anti-histamínicos utilizados atualmente no combate às reações alérgicas. O sangue deve conter essas substâncias que agem nos elementos contráteis nas paredes capilares, e estimulam-no a contrair-se. A presença de tais substâncias no sangue implica num mecanismo extremamente completo e regulatório, por que o sangue é distribuído completamente e regularmente da maneira mais econômica. E conforme a utilização do órgão irrigado, o tônus dos capilares pode aumentar ou diminuir. Logo, explica-se o fato de que quando uma pessoa que não se exercita freqüentemente pratica uma atividade de grande esforço, ocorre dor, podendo chegar à inflamação do membro, pois o tônus do capilar está diminuído. Assim, o tecido pode sofrer um extravasamento de sangue, causando os sinais e sintomas de um estiramento muscular, por exemplo.

Conclusão
A instituição do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia propiciou um grande incentivo para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas a pratica médica e às funções fisiológicas do corpo humano. E August Krogh foi essencial para esse processo de crescimento. Com o seu trabalho, Krogh conseguiu comprovar que a demanda de oxigênio para o consumo muscular depende da expansibilidade dos capilares, ou seja, que quanto maior a abertura desses vasos, maior a troca gasosa e maior oferta de O2 para a produção de energia.
Sobremaneira, o conhecimento sobre a história da evolução da Medicina pode nos fornecer suporte para compreendermos o que acontece atualmente no desenvolvimento das ciências e da pratica médica. O alto grau de avanços tecnológicos presentes na pratica da Medicina nos remete ao esforço dos antigos pesquisadores, que muitas vezes despidos de instrumentos capazes de proporcionar os melhores resultados durante seus pesquisas, trouxeram imensas colaborações para transformar a Medicina no nível a qual ela se encontra hoje.
E, obviamente, fica clara a importância do incentivo à pesquisa durante a graduação como uma maneira de proporcionar ao aluno a oportunidade de aprender a desenvolver trabalhos com métodos e embasamento científico, imprescindíveis para a formação profissional.