quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Sugestoes Para o Ensino Basico


Logo abaixo um Link de um livro em Formato PDF , trata-se de
um livro de apoio a
educadores para atividades em Sala de Aula.


quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Thierry Robin - Música Cigana de Primeira




Thierry Robin, bretão, de alma cigana, é um músico de real excepção. Pertence à restrita casta de exímios improvisadores de cordas e de delicados artesãos que embelezam a sua arte com infinitos rendilhados. Além de exímio executante de alaúde, bouzouki e guitarra, que o coloca num pedestal semelhante ao do sueco Ale Möller, do grego Ross Daly, ou de um outro francófono - Patrick Vaillant –, Robin é um verdadeiro alquimista da composição, um Merlin dos tempos modernos, que consegue juntar, num único caldeirão, as músicas ciganas que vão de Espanha à Ásia Central, passando pelos Cárpatos e pelo Báltico. A sua poção mágica torna um qualquer Assurancetourix (o irritante bardo da aldeia gaulesa de Astérix) num tenor peso-pesado romano. É notável como o flamenco, que parece um género musical confinado à Península Ibérica, é a locomotiva através do qual Robin e os seus músicos efectuam uma enriquecedora viagem sem freios, pela linha do Oriente. A guitarra e o alaúde de Robin, a divina voz cigana (de flamenco) do espanhol Pepito Montealegre, que chega a roçar o céu qwwalli e a fazer a devida vénia ao mestre Nusrat, quebram fronteiras terrestres. A combinação perfeita destes elementos com percussões afro-latino-americanas-e-arábico-andaluzes (com destaque para o cajon e “ocean drum”) de um talentoso instrumentista brasileiro Zé Luís Nascimento e com o acordeão de Francis Varis algo “brastchtiano”, contaminado quer pela delicadeza melódica da bal musette francesa (pouco), quer pelo desvario cigano dos balcãs (muito), constituem a fórmula de uma música que viaja livremente como o ar, através do tempo e da geografia.
Thierry Robin e o Percursionista brasileiro Zé Luís Nascimento no You Tube:

A Cigana



Na distância vi seu vulto desaparecer

Nunca mais seu rosto eu pude ver

Na distância vi seu vulto desaparecer

Nunca mais seu rosto eu pude ver

Uma vez você apareceu na minha vida

Eu não percebi você de mim se aproximar

Não sei de onde você veio e nem perguntei

Talvez de alguma estrada que eu ainda não passei

Seu olhar me disse tanta coisa num momento

Parecia que podia ler meu pensamento

E no seu sorriso mil segredos percebi

Então nos seus mistérios de repente me perdi

Minha mão você tomou nas mãos e conheceu

Minha vida inteira e o seu encanto me envolveu

Toda minha história leu nas linhas que mostrei

O que estava escrito e o meu amor eu lhe entreguei

Hoje você anda por lugares que eu não sei

Vive nos meus sonhos e nas lembranças que guardei

Disse tanta coisa quando leu a minha mão

Roberto Carlos 1973

Ciganos sao os mais rejeitados na Argentina

Argentina: Brasileiros são ''estrangeiros preferidos'' de estudantes, diz pesquisa


Mais de 50% dos adolescentes entrevistados rejeitam judeus, chineses e bolivianos.

Márcia Carmo - BBC -de Buenos Aires

Uma pesquisa inédita realizada com estudantes na Argentina revelou que os brasileiros são os estrangeiros mais aceitos do país.
Segundo o estudo, feito para avaliar a xenofobia entre os estudantes, os brasileiros tiveram maior índice de aceitação (52%) e menor índice de rejeição (30%) numa lista de doze diferentes grupos de estrangeiros.
A pesquisa, que ouviu 5 mil estudantes do segundo grau de 85 escolas públicas de várias províncias do país, foi realizada pelos sociólogos argentinos Ana Lia Kornblit e Dan Adaszko, do Instituto de Investigação Gino Germani,
da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Em entrevista à BBC Brasil, Adaszko disse que os resultados da pesquisa surpreenderam pelo alto nível de "xenofobia",
com percentuais preocupantes, por exemplo, de rejeição a ciganos (67%), judeus (55%), chineses e coreanos (52%) e bolivianos (52%).
Os estudantes receberam listas com as nacionalidades e grupos e três opções de respostas - aceitação, rejeição e indiferença.
Mais de 40% dos estudantes rejeitaram os peruanos, chilenos, paraguaios, americanos e árabes.
Os brasileiros são uma exceção nesta lista, como disse Dan Adaszco: "Acreditamos que, diferente dos outros
grupos de estrangeiros, citados na pesquisa, os brasileiros não são vistos como uma ameaça
no mercado de trabalho local", afirmou.
"Além disso, há a imagem positiva do carnaval, das férias nas praias brasileiras e o reflexo do que sai na imprensa
argentina sobre o Brasil e os brasileiros", completou Adaszco.
Para ele, a pesquisa confirma a fama de "xenofobia" em setores da sociedade argentina. "Nós entendemos que os adolescentes são um reflexo do mundo dos adultos e têm coragem de dizer o que os adultos não dizem", afirmou.
Apesar da fama, Adaszko se disse surpreso com o alto grau de rejeição, de mais de 50%, em relação a ciganos, judeus, chineses e bolivianos.
Segundo o estudioso, existe um "discurso duplo" na Argentina por ser um país que abriu as portas para a imigração, mas não de forma igualitária. "Para muitos, especialmente nos grandes centros urbanos do país, o ideal e aceitável é o europeu e o branco e não o nativo da América Latina", avaliou.
"O latino é visto aqui com desconfiança e até desprezo". Segundo ele, a pesquisa mostrou ainda que o índice de "xenofobia" e "racismo" diminui a medida que aumenta o nível de educação dos pais. "Não é questão de classe social, mas sim que depende do nível de educação dos pais dos estudantes adolescentes", disse.
Na Argentina, no final do século 19 e início do século 20, as principais imigrações foram italiana e espanhola. Nos anos 90, segundo dados oficiais da Direção Nacional de Migrações da Argentina, a maior imigração partiu dos países da região como Bolívia, Peru e Paraguai - os brasileiros são minoria nesse grupo.
A pesquisa de opinião recebeu o Prêmio Ibero-americano em Ciências Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México e será premiado, nesta terça-feira, pelo Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo (INADI) da Argentina.

Fonte Estadao http://www.estadao.com.br/geral/not_ger42257,0.htm#1104209997eFfVRq-RGpD40QGS_Z3oBw

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Juscelino Kubitschek

JK

O Presidente que modernizou o Brasil. Seu lema: cinqüenta anos em cinco

Ou declareis que a árvore é boa e o seu fruto é bom,

ou declareis que a árvore é má e o seu fruto é mau.

É pelo fruto que se conhece a árvore. Mt 12,33



Nosso grande ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK) era descendente de cigano?


Afinal, onde está a verdade? Temos grande respeito por nossos antepassados e não entendemos porque em certas condições baixam uma cortina de silêncio e se recusam a falar sobre um tema tão relevante: nossa genealogia. No caso de JK não se consegue ir além de seus bisavôs. Por que? Será desonra ser descendente de cigano? JK nunca se pronunciou a respeito, sua família também não. Achamos que este é o momento oportuno de deslindar esta questão. Confesso desde já não trazer novidades, meu interesse maior é que os historiadores e familiares façam um definitivo esclarecimento. Aqui vamos registrar apenas o que muitos já disseram e apresentaram indícios de que nosso JK e grande presidente tem raízes na antiga Tchecoslováquia (hoje República Checa), lá em Trebon. Então vamos aos que tiveram coragem de emitir opiniões sobre nosso querido presidente seresteiro.


Em História dos ciganos no Brasil, Rodrigo Corrêa Teixeira1 (inédito) nos informa que, para o Brasil, vieram ciganos ibéricos e não-ibéricos, ou seja, calom e rom respectivamente. O rom2 que aqui chegou mais cedo teria sido Jan Nepomuscky Kubitschek, que trabalhou como marceneiro no Serro e em Diamantina. Casou-se com brasileira. Em seu matrimônio com Teresa Maria de Jesus Aguilar, teve três filhos. O primeiro foi João Nepomuceno Kubitschek, que viria a ser um destacado político; o segundo, Carlos Kubitschek e o terceiro foi Augusto Elias Kubitschek, um comerciante com escassos recursos, que viveu toda sua existência em Diamantina; casado com Maria Joaquina Coelho. Uma de suas filhas: Júlia Kubitschek, casou-se com João César de Oliveira e foram os pais de Juscelino Kubitschek3 (1902-1976), que depois se tornou presidente do Brasil. A árvore genealógica de JK, até o bisavô, está no site


O jornalista Luís Nassif, em artigo publicado pela Folha de São Paulo, em 15 de setembro de 2002, assim se refere a JK:


... Moreira Salles [embaixador e banqueiro] o considerava um ‘cigano’, sem compromisso com idéias, partidos e grupos, e bastante vulnerável a amizades pouco selecionadas”.


O definitivo depoimento sobre a origem cigana de Juscelino foi feito por João Pinheiro Neto (jornalista, ex-Ministro de JK), às entrevistadoras: Aspásia Alcântara Camargo, Helena Maria Bousquet Bomeny e Maria Luísa d’Almeida Heilborn, para o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de onde extraí este texto ipsis litteris:


Como o senhor definiria Israel Pinheiro? [Pergunta das entrevistadoras].


O Israel basicamente é um grande capitão de obras, um grande construtor, um grande realizador, também sem nenhuma preocupação de ordem ideológica. Um pragmático parecido com o Juscelino em muitos pontos, menos na simpatia pessoal. Se bem que quando o Israel queria também era simpático; mas o Juscelino era sempre simpático. O Juscelino era um cigano. Quando fui à Tchecoslováquia perguntei se havia Kubitschek lá. Aliás, a D. Sara já tinha estado lá e visto no catálogo que há centenas de Kubitschek. Ele era da Boêmia, daí gostar de violão, de música, de dança, de mulher.”


Mônica Buonfiglio, escritora, dá este depoimento, O cigano Juscelino Kubitschek:


Juscelino Kubitschek nasceu a 12 de setembro de 1902, em Diamantina (MG), era descendente de ciganos. O bisavô materno de JK (tcheco cigano) desembarcou no Brasil em 1830. O pai João César era caixeiro-viajante e morreu de tuberculose quando ele tinha dois anos. Dona Júlia, sua mãe, era professora primária, tratando de educar Nonô (apelido usado em casa) de maneira rígida.


É uma pena que JK pouco se manifestou sobre o fato de ser cigano (além dele, vários outros ciganos ocuparam posição de destaque no Brasil, como Castro Alves, Cecília Meireles entre outros). Embora não mencionada em sua biografia, esta afirmação tem apoio de antropólogos, historiadores brasileiros e europeus que se basearam em relatos orais de amigos ciganos residentes em Contagem (MG). Juscelino só falava sobre ciganos na presença de outros ciganos.


A Revista Gula http://www.2.uol.com.br/gula/reportagens/119_lucinha.shtml nos apresenta esta reportagem:


JK, o presidente bom de garfo:


Elegante, sorridente, pé-de-valsa, político brasileiro dos anos dourados, era um amante fervoroso da comida. O marido de dona Lucinha [a cozinheira de JK], ex-prefeito de Serro e fã incondicional de JK, conhece cada detalhe da vida de seu ídolo, incluídas datas, frases e personagens envolvidos nos eventos. [...] “Ele era quase conterrâneo. Seu bisavô, cigano, e seu avô, João Alemão, nasceram e viveram no Serro”.


Em seqüência, tenho em mãos um artigo publicado pelo Centro de Cultura Cigana (CCC), em Juiz de Fora que diz em resumo:


Com a palavra de abertura, o deputado espanhol Juan de Dios Ramirez Herédia afirmou: Os políticos brasileiros, em particular os de Minas Gerais, têm o dever de abraçar com orgulho esta causa. Afinal o Brasil é o único país do mundo que pode orgulhar-se de ter tido um Presidente da República cigano: o mineiro Juscelino Kubitschek”.


O artigo citado continua com esta afirmação peremptória:


... a decisão de construir Brasília passou por uma ‘consulta’ debaixo de uma tenda cigana, no bairro de Mesquita, a Lhuba Stanescon...”


Num artigo escrito por Zarco Fernandes, presidente do CCC, em Juiz de Fora, ele finaliza o extenso trabalho com esta frase que seria de JK e dita a amigos, em São Lourenço (MG), em 25 de fevereiro de 1972:


Tenho uma imensa tristeza muito dificilmente revelada: a de nunca ter podido declarar-me cigano”.


Mas Zarco (Marcos Fernandes), o presidente do CCC é incansável; eis o que me enviou por e-mail:


... Quero concluir minha afirmativa (JK era cigano) com uma citação contida no Jornal do Brasil de 7 de dezembro de 2001. As páginas 4 e 5 do referido periódico, trás matéria especial sobre a Academia Brasileira de Letras. Com título POR QUE, AFINAL, A ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS SEDUZ TANTA GENTE? Lemos: “A Academia já utilizou critérios de bajulação do poder, quando elegeu o presidente Getúlio Vargas, e também deixou de escolher outro — Juscelino Kubitschek, então em desgraça com a ditadura militar, preterido por um escritor puro-sangue, Bernardo Élis...”


Ainda em reforço à tese da ciganidade de JK, adiciona nosso presidente do Centro de Cultura Cigana, em Juiz de Fora:


Na Revista “Manchete no 2.085, de 21 de março de 1992, lemos nas páginas 66 a 71, reportagem de Claudia Lobo (Rio), Durval Ferreira (São Paulo) e Marcos Achiles (Brasília), matéria sobre os ciganos e sua participação no carnaval daquele ano, no qual a escola de samba UNIDOS DO VIRADOURO homenageou o presidente JK, com o enredo “...e a magia da sorte chegou. Composição: Heraldo Faria, Flavinho Machado e Gelson Rubinho, (transcrição a seguir). Em determinado trecho da reportagem lemos: O enredo serviu para mostrar aos gajões que o Brasil já teve um presidente da Republica cigano.”


Uma estrela brilhou

Brilhou, brilhou, brilhou

Tão cintilante que os magos iluminou.

Será o novo sol da amanhã? Do amanhã.

O arco-íris da aliança que não se apagará

Vem do Oriente com sua arte de criar,

Na palma da mão lê a sorte

Com a magia do seu olhar.

Chegando ao velho continente

Á marca da desilusão,

Castigo, degredo, açoite,

Por que tanta discriminação?

A cada passo, a poeira levanta do chão.

Ferreiro, feiticeiro, bandoleiro.

A liberdade é sua religião

E vem chegando o dono desse chão.

No berço, a mão do menino

Abriu-se ao destino, eis a nova Canaã

Ê, ê, cigano, bandeirante em busca de cristais

Canta, dança, representa

Da vida a nossos laços culturais.

Cigano-rei, mineiro iluminado

O mundo não vai esquecer,

Plantou no solo brasileiro

A realização do amanhecer

É uma Nova Era, ô, ô, a magia da sorte chegou

O sol brilhará,

Surge a estrela-guia

E sob a proteção da lua

Canta Viradouro,

Que a sorte é sua.

À Jordana Aristich, cigana, divulgadora da cultura cigana, lhe perguntaram:


O ex-presidente Juscelino Kubitschek tinha mesmo descendência cigana?

Jordana — Sim, pena que não esteja vivo para ele mesmo manifestar-se a respeito.


A revista Planeta, no 216, de setembro de 1990, p. 24, publica o artigo Ciganos, um povo na encruzilhada de autoria do jornalista Romeu Graziano, quando ele cita ipsis litteris:


... na galeria de ciganos ilustres encontramos o presidente Juscelino Kubitschek”..


A notícia publicada no http://democracia.com.br/participe/partnoticias.asp?t=4&nop=407 espelha este texto:


Presidente do Senado visita a República Checa.

25/3 – EFE O Presidente do Senado do Brasil, Ramez Tebet, visita hoje, segunda-feira, a República Checa durante uma viagem à Europa [....] Sobre as relações entre os dois países, Pithart lembrou os anos de 1956 a 1961, quando Juscelino Kubitschek era presidente do Brasil. Ele, que nasceu na cidade checa de Trebon, na Boêmia do sul, emigrou para o país latino-americano. [Obs.: A família de JK emigrou de Trebon para Diamantina]


Cristina da Costa Pereira, professora de literatura e escritora, em entrevista à Revista Planeta, no 174, março de 1987, p. 14, intitulada Ciganos, os ladrões de almas, falou ao repórter:


Imagine, Kubitschek era cigano, filho de mãe cigana, descendente de tchecos; o lado paterno não era. Lendo notícias de jornais da época, achei declarações reveladoras do próprio ex-presidente e o vi como padrinho de casamento de vários grupos ciganos.


Lemos no site de Carta Capital http://www.cartacapital.com.br/edicoes/2005/07/350/2415/


JK teve de omitir que era [cigano], senão não seria presidente. Nunca fez nada por nós, também porque não fomos pedir”, diz Iovanovitch. “Os ciganos de Inconfidentes, em Contagem, preservam o relato oral de visitas de JK às comunidades. Ele tinha origem cigana, relacionava-se com eles”.



Por último, mas não menos importante, transcrevo parte uma entrevista publicada na Revista de História, da Biblioteca Nacional, ano 2, no14, p. 35, sob o título Plano Nacional de Cultura para os ciganos:


Pergunta:


RH (Revista de História). Há discriminação contra os ciganos?

GV (Geraldo Vitor da Silva Filho, da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural e coordenador do Grupo de Trabalho para as Culturas Ciganas). “Há, e bastante. Isto vem da época da Inquisição quando a igreja passou a condená-los pelas práticas esotéricas que eles exerciam, como a leitura de mão. A partir daí surgiu uma série de mitos infundados, como os que dizem que ciganos raptam crianças ou vendem cavalos cegos. Para vocês terem uma idéia, até 1998 o Dicionário Aurélio colocava a palavra ‘cigano’ como sinônimo de ‘trapaceiro’. E isso se faz sentir até hoje. JK era neto de ciganos, e Márcia Kubitschek proibiu que isso fosse citado na minissérie recente feita pela Rede Globo...”.

Assim, termina-se esta pesquisa sobre a origem de JK. Jamais serão apresentadas certidões de batismo de seus antepassados, pressupondo que eram realmente ciganos, porque este povo não costuma registrar seus filhos em cartórios. Temos que nos louvar nesses depoimentos e tê-los como parcialmente verdadeiros, até prova em contrário. Não podemos ter estes depoimentos como verdadeiros in totum, mas também não vamos descartá-los como inverídicos. E aqui fica um desafio para pesquisadores e historiadores: Que se aprofundem na genealogia de JK e nos dêem um parecer definitivo. Até então, vamos ter JK como nosso irmão cigano, com muita honra.


Legado de JK ao povo: Alegria, esperança, otimismo, auto-estima, orgulho de ser brasileiro, visão do futuro e liberdade.

Realizações de JK: Universidades, indústrias (automotiva, naval, siderurgia etc.), estradas, represas, hidroelétricas, Brasília; em suma: desenvolvimento e progresso.

"Ninguém pode ter outro interesse se não o de que se consolide o regime de liberdade, sem o qual não há nação que possa qualificar-se de civilizada." JK


Asséde Paiva

Guimarães Rosa e os Ciganos


João Guimarães Rosa (1908-1967), médico, poeta, prosador, diplomata, poliglota.
Seu romance mais famoso é Grande Sertão: Veredas. Como coloca no romance duas ciganas: mãe e filha
Ele disse :
-Pesquisei estas duas, pois admiro e amo o povo cigano.

Em seu livro Pois é!, Nova Fronteira,
1990, Paulo Rónai, à página 21, nos diz que Guimarães Rosa ficou nos devendo a grande epopéia cigana, por ter partido tão cedo e repentinamente. Sabemos que Paulo Rónai era amigo do mesmo e deve ter ouvido confidências sobre ciganos.

Em Entrevista no Jornal o Globo em de
11/3/2006

José Luís Guimarães Rosa
, irmão do escritor, lembra, emocionado, sua devoção às palavras:

— A expressão mágica para meu irmão era “ave palavra”. Sempre achei que acima do roteiro de suas histórias estava a palavra. A palavra prevalecia. Há contos em que ele vem descrevendo e, de repente, como que fugindo à narrativa, pára numa vírgula e, entre vírgulas, põe palavras avulsas para prestigiá-las.

José Luís lembra ainda que outro aspecto crucial da vida de Joãozito, como os familiares o chamavam, era sua angústia em relação ao tempo, sobretudo depois que o escritor deparou-se com a previsão que determinava que ele morreria logo após uma grande festa em sua homenagem. Seguro da precisão daquela profecia, Rosa adiou a cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL) por vários anos.

— A profecia foi um calvário para ele — diz
José Luís. — Não sei quem fez, talvez uma cigana lendo sua mão. Isso influiu bastante, porque ele era muito crente. Acreditava no imponderável, nas coisas divinas, nas profecias.

Após esse episódio, lembra o irmão, o tempo para
Rosa encurtou. Ele pressentia que o fim estava próximo e se angustiava com a possibilidade de não terminar tudo o que estava escrevendo. Por isso, trabalhava horas a fio todos os dias, religiosamente. Por fim, a profecia se cumpriu: três dias após a posse na ABL, Rosa morreu."

Nota do Blog:
Os ciganos não predizem morte do consulente, só predizem coisas boas ou nos dão alertas. Ciganos querem dar alegria aos consulentes e dizem: “Uma grande fortuna o espera”; “Lindo moço loiro está a sua procura” (para as moças). “Você será seduzido por uma morena”; “Vai acertar na loteria”; “Cuidado ao dirigir veículo”; “Enfrentará uma demanda” etc.

Afinal, lêem a buena dicha, não mala suerte.

Em Grande Sertão: Veredas, as ciganas Nhorinhá e Ana Duzuza aparecem às páginas 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 49, 92, 93, 178, 290, 352, 367, 483, 485, 487, 488, e 491.. Em Sagarana, se nos apresenta um personagem que aderiu a um grupo cigano para aprender suas espertezas e depois passá-los para trás. Está no conto Corpo fechado, à p. 256; em Tutaméia são três contos: O Faraó e a água do rio; O outro e o outro; e Zingaresca.

Guimaraea Rosa conhecia muito sobre ciganos. Disto nos dá prova em suas estórias, porém, às vezes deixava-se levar por preconceitos arraigados contra este povo. E errava como todos nós erramos. Falaremos um pouco de seus devaneios em relação aos ciganos, começando por Nhorinhá. Esta cigana foi na verdade o grande amor de Riobaldo. Ele nunca a esqueceu.

Como no texto, em Grande Sertão: Veredas, a fala inicial sobre as ciganas é pequena, vamos transcrevê-la aqui. As transcrições estão em itálico (Ref. Nova Fronteira, pp. 31-33, 18ª edição):


Digo: outro mês, outro longe — na Aroeirinha fizemos paragem. Ao que, num portal, vi uma mulher moça, vestida de vermelho, se ria. — “Ô moço de barba feita...”— ela falou. Na frente da boca, ela quando ria tinha os todos dentes, mostrava em fio. Tão bonita, só. Eu apeei e amarrei o animal num pau de cerca. Pelo dentro, minhas pernas doíam por tanto que desses três dias a gente se sustava de custoso varar: circunstância de trinta léguas. Diadorim não estava perto, para reprovar. De repente, passaram, aos galopes e gritos, uns companheiros, que tocavam um boi preto que iam sangrar e carnear em beira d’água. Eu nem tinha começado a conversar com aquela moça, e a poeira forte que deu no ar ajuntou nós dois, num grosso rojo avermelhado. Então eu entrei, tomei um café coado por mão de mulher, tomei refresco, limonada de pêra-do-campo. Se chamava Nhorinhá. Recebeu meu carinho no cetim do pêlo — alegria que foi, casamento esponsal. Ah, a mangaba boa só se colhe já caída no chão, de baixo... Nhorinhá. Depois ela me deu de presente uma presa de jacaré, para traspassar no chapéu, com talento contra mordida de cobra; e me mostrou para beijar uma estampa de santa, dita meia milagrosa. Muito foi.

Mãe dela chegou, uma velha arregalada, por nome de Ana Duzuza: falada de ser filha de ciganos, e dona advinhadora da boa ou má sorte da gente; naquele sertão essa dispôs de muita virtude. Ela sabia que a filha era meretriz, e até — contanto que fosse para os homens de fora do lugarejo, jagunços e tropeiros — não se importavam, mesmo dava sua placença. Comemos farinha com rapadura. E Ana Duzuza me disse, vendendo forte segredo, que Medeiro Vaz ia experimentar passar de banda a banda o liso do Suçuarão. Ela estava chegando do arranchado de Medeiro Vaz, que por ele mandada buscar, ele querendo profecias. Loucura duma? Para que? Eu nem acreditei.


Somente em Grande Sertão, citou ciganas tão depreciativamente, tão injustamente. É pacífico entre ciganólogos que ciganas não se prostituem. É a lição de George Borrow (1803-1881), o inglês que falava mais de 100 idiomas, escreveu a Bíblia em romani (a língua dos ciganos) e viveu por muitos anos com os ciganos de Espanha. Ele nos diz em seu livro The Zincali (Os ciganos) que as ciganas são fiéis e jamais traem seus maridos. Temos também o depoimento do antropólogo Olímpio Nunes, autor do livro O povo cigano, onde se lê à p. 207: “A honra da cigana sintetiza-se em observar com reverência a lacha (pudor e castidade) do corpo, embora não reprove outras licenciosidades, como a da linguagem ou do gesto. A lacha, para uma cigana, vale mais que a própria vida [....] Entre as poucas obrigações de uma mãe de família (a daj), a primeira é incutir nas filhas a importância capital da lacha. [....]. Podemos dizer que é rara a prostituição feminina”.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ciganos na Corte

O Sr. Pinto Noites [cigano de 92 anos], que ainda conserva a lembrança das festas que tiveram lugar por ocasião dos desposórios de Sr. D. Pedro I com a Princesa D. Leopoldina, Arquiduquesa d’Áustria, descreveu-nos com clareza o que vira, chamando especialmente o nosso interesse para o “curro no Campo”, por isso que aos do seu núcleo couberam as glórias mais vivas.


Começaram os festejos a 12 de outubro de 1818 e terminaram a 15.

No primeiro dia, depois das salvas das fortalezas, da recepção do corpo diplomático no Paço da Boa Vista e das solenidades religiosas, o povo em multidão, apinhado nas praças, nas janelas, nos telhados, impacientava-se por avistar Suas Majestades e a família real.

As portas das casas estavam armadas de seda, as colchas de damasco espelhavam ao sol, as ruas eram cintilantes de areia fina e esmaltada de flores.

Coretos com bandas militares, arcos e bandeiras tremulando nos galhardetes, soldados dos regimentos e das milícias, gente aos borbotões, davam a essa festa o cunho da magnificência das dinastias asiáticas...

Os sinos repicam, as girândolas estrugem, os batedores, à disparada, de espadas desembainhadas, abrem alas...

D. João VI e a sua corte, às aclamações das turbas, aos sons das fanfarras, entram triunfantes no Campo de Sant’Ana, para assistir ao curro.

O Senado da Câmara aí fizera preparar um anfiteatro deslumbrante: o terreiro, aplainado para as cavalhadas, achava-se circulado de arquibancadas inúmeras, com panejamentos de cores múltiplas, enfeitadas de bandeiras, destacando-se ao fundo o pavilhão de el-rei, enorme, forrado de veludo e ouro, com cortinas de damasco finíssimo, estreladas e franjadas de ouro, sobressaindo na frisa as armas portuguesas, entre legendas fulgurantes.

Nos palanques faustosamente adornados, a fidalguia e a vadiagem dominavam absolutas.

El-rei e os nobres, no seu dossel suntuoso, escutam as bandas de música que executam dobrados e hinos, esperando o torneio.

A foguetaria estoura, as beldades, faiscantes de pérolas e brilhantes, anseiam pelo instante da justa, que deveria ser admirável.

Em frente do palanque real, o rico e humanitário cigano [grifamos] Joaquim Antônio Rabelo mandara arranjar, com a maior galhardia imaginável, um tablado de preciosa madeira, onde se erguia, dos quatro cantos, uma construção de estilo egípcio, realçando sobre o damasco, a seda e o veludo, galões e rendas de ouro.

Joaquim Antônio Rabelo, a quem a história nacional talvez um dia considere como uma força nas agitações políticas da Independência, assim determinara, para o dançado dos ciganos, a quem ensaiara com entusiasmo artístico e vestira à sua custa.

Às quatro horas da tarde rebentam bombas, as girândolas sibilam e um soar de guizos, chocalhando nas cabeças e peitorais de fogosos ginetes, anunciou as cavalhadas.

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Nisso, um outro grupo salta na liça: — os Ciganos.

Guiando soberbos cavalos brancos arreados com igualdade e riqueza, balançando penachos implantados em discos e forma lunar, luzidos criados transpõem as barreiras.

Os bailadores trazem as bailarinas à garupa: morenas, sedutoras como as profetisas gentias.

Os homens trajam jaqueta escarlate, calção de veludo azul, meias de seda cor-de-rosa, chapéu desabado de veludo com plumas, sapatos baixos de fivelas. As moças ajustam à cintura flexível costume de veludo, primorosamente bordado, calção, meias escarlates, sapatos de cetim branco com ramagens de ouro; na cabeça, como um turbante de nuvens, um toucando azul recamado de estrelas, como o diadema das noites do Oriente.

A embaixada cigana dirige-se ao palanque real; a música toca, e os corcéis levemente fustigados, empinam-se no centro da planície, rodam, dançam a polca.

A multidão, contente do desempenho, manifesta-se com ruído.

Findos os primeiros exercícios, os pagens tomam da brida dos animais e conduzem os cavaleiros ao recinto do baile.

Aí, depois das cortesias à família real, uma salva de castanholas marca o princípio do dançado... E, ao som das guitarras, o fandango espanhol peneira, arde e geme — mansinho como as ondulações de um lago, quente como os beijos das odaliscas, lascivo como as inspirações do Poeta-rei.

Os dançarinos são vitoriados: flores, fitas, aplausos, eles os conquistam pela magia plangente de seus instrumentos, pela graça ideal de suas danças.

D. João VI, participando do agrado geral, fá-los vir à sua presença. Uma banda de música precede-os na maior ordem.

Subindo ao pavilhão, dois camaristas trazem, estendidos num coxim de púrpura, os prêmios que lhes eram

destinados: patentes militares aos homens e jóias às mulheres.

As ovações, os vivas a el-rei e as harmonias coroavam os artistas e a festa...

Restabelecido o silêncio, voltaram, jubilosos a seu palanque.

Preludiaram na guitarra uns acordes casados a vozes de uma cantilena em sua linguagem.

A tradição olvidou a toada e as letras...

Para o Sr. Pinto Noites, era o Canto egípcio.

Às 6 horas os clarins, à frente de enorme préstito, ecoaram na cidade. El-rei nosso senhor via as luminárias...

Uma mulher trigueira, no auge da aflição, olhando para uma cruz vermelha, pintada no alto de sua porta, fitou o rei na sua passagem, e estendendo os braços, como que querendo repelir uma visão perseguidora exclamou: —Jala-te beng! (Vai-te diabo!)

Trata-se do belo texto de Mello Morais Filho e está em Os ciganos do Brasil* e
Cancioneiro dos ciganos
, p. 29 a 33. (Editora Itatiaia, 1981)

Desenho de Criança






terça-feira, 21 de agosto de 2007

Numeros das Maiores concetrações de ciganos no Mundo


Alemanha : 100.000

Albania: 70.000
Argentina: 317.000
Bosnia: 17.000
Brasil: 678.000 - 1.000.000
Bulgaria: 700.000 - 800.000
Croacia: 9.463
Espanha : 600.000 - 800.000
Finlandia: 10.000
Grecia: 300.000-350.000
Hungria: 500.000
Ira: 110.000
Macedonia: 53.879
Montenegro: 2.601
Polonia: 15.000 - 50.000
Portugal: 40.000
Reino Unido : 40.000
Republica Tcheca: 120,000 - 220,000
Romenia: 1.500.000 - 2.000.000
Russia: 183.000
Servia: 108.193
Eslovaquia:E 92.500
Turquia : 500.000 -
2.000.000
Ucrania: 48.000


Dados Estimados pela ONU - Organizacao das Nacoes Unidas

    quinta-feira, 16 de agosto de 2007

    Epigrama no. 7

    A tua raça de aventura
    Quis ter a terra, o céu, o mar...

    Na minha, há uma delícia obscura
    em não querer, em não ganhar...

    A tua raça quer partir,
    guerrear, sofrer, vencer, voltar.

    A minha, não quer ir nem vir.
    A minha raça quer passar


    Cecília Meireles


    quarta-feira, 15 de agosto de 2007

    Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos de Portugal



    Apresentação

    Ciganos em Portugal: (cerca de) 40.000

    Localização: sobretudo no litoral

    Traços religiosos predominantes na cultura cigana: fé em Deus, na Virgem Maria, na vida para além da morte

    Igreja predominante entre os ciganos religiosos: Igreja Evangélica Filadélfia Cigana em Portugal

    Número de ciganos portugueses católicos: estima-se em alguns milhares.

    Ciganos sedentários em Portugal: a quase totalidade

    Ciganos a viver em barracas/tendas, a nível nacional:

    estima-se em 7.000 (18% da população cigana)

    Educação predominante: 1º ciclo. Muito analfabetismo, alguns (sobretudo rapazes), no 2º ciclo, poucos no 3º ciclo e muito poucos nas Universidades

    Profissão dominante: venda ambulante

    Principais características culturais: coesão familiar, aposta em preservar a família, amor à liberdade e à natureza, especial aptidão para a música e para a dança, aptidão natural para o marketing e a venda, tendência para o trabalho por conta própria.


    Direcção Nacional

    Director Nacional: Padre Amadeu Dias Ferreira – nomeado pela Conferência Episcopal Portuguesa em 11 de Novembro de 2004

    Director Executivo (em acumulação com o cargo estatutário de Secretário):
    Dr. Francisco Manuel Pimenta de Sousa Monteiro

    Vogais: D. Eva Maria de Sousa Faustino Ferreira Gonçalves
    Irmã Maria Augusta Silva e Costa
    D. Anabela de Sá de Abreu

    Tesoureira: D. Mariana Rosete Mamede Carbó

    Conselho Fiscal
    Presidente: Padre Valentim Oliveira Gonçalves, SVD
    Secretário: Diácono Permanente Daniel Rodrigues
    Vogal: Sr. Joaquim José Feliciano da Silva

    Apoio Técnico-Administrativo: Dr. Nuno Tavares

    Dados do site da Pastoral dos Ciganos de Portugal

    segunda-feira, 13 de agosto de 2007

    PRÓ-CIGANOS

    O mundo gira, e no giro do mundo civilizações

    se perderam e até se tornaram lendas.

    Os ciganos continuam girando no mundo, com o mundo.

    E longe de se tornarem uma lenda contam as lendas do mundo.

    (S.R. de Souza, in Ciganos romum povo sem fronteiras)


    For the gypsy, there exists only one rule: “There are no rules”.


    Você gosta dos ciganos, caro leitor, cara leitora? Em relação a eles podemos ter estas opções: odiá-los, amá-los, ignorá-los. Eu prefiro amá-los. Sabe por quê? Porque eles são o povo mais excluído da terra e eu me identifico com eles. Quem nunca foi excluído? Na escola? No trabalho? Numa festa... Eu sempre me senti excluído, desde criança. Agora, imagine o povo cigano que sofre exclusão milenar... Saiba que eles tiveram grande influência na formação da nossa pátria. Por falar em pátria relembro que uma das qualidades invejáveis e intrínsecas desta etnia cigana é não ter Estado / nação / pátria: o mundo é sua pátria. Que maravilha! O povo que não se curva à burocracia, não tem armas nacionais, selos ou símbolos de qualquer natureza, mas respeitam os valores do país que os acolhe. Agora, na ONU, consideraram eles oriundos da Índia; outros criaram uma bandeira e hino para eles, não sei se vai pegar. Ciganos são totalmente desligados de coisas como residências fixas. Podem até morar em palácios, contudo, mantêm a alma cigana nômade. Não se ligam a governos, reis, eleições, enfim, livres como pássaros no céu. Vivem muito bem sob tendas. Gostam de dinheiro, sim, gostam de negociar, sim! Afinal precisam viver, e o mundo é duro, muito duro para os párias. Em penosíssimas deambulações, são jogados daqui para ali, sem qualquer consideração das autoridades, sem qualquer assistência social, sem médicos, nem instrução e sem apoio algum. Ignorados pelas famosas ONGS, e pela turma dos direitos humanos, repelidos pelo povo em geral, que não se lembra das palavras de Jesus: Vinde a mim eu vos aliviarei! Onde estão os que se intitulam representantes do Padre Eterno? Onde estão os cristãos? Onde a caridade? Eu invejo os ciganos pela capacidade de sobrevivência sob fatores tão adversos. Eu quero e não posso ser um deles, a sociedade não me permite, mas se eu fosse cigano , seria uma honra para mim. Você já viu um ciganoseqüestrador? Já viu um cigano assaltante de bancos? Já viu criança cigana abandonada? Já viu velho cigano abandonado? Aqueles que falam mal dos ciganos, que liguem o ‘desconfiômetro’, devem levar em conta que eles, os ciganos, são espelhos de nós mesmos. Você me entende?... [Se você vê no cigano um homem desprezível, você é também desprezível; porém, se vê um homem bom, você é bom. É o fator espelho, meu caro]. Seja livre (no íntimo) como um cigano! Somente assim será feliz. Por último, não menos importante, procure imitar Jesus, o verdadeiro Salvador e também o maior dos ciganos. Foi Ele que disse: Amai-vos uns aos outros. Lembra-te ainda de que somos partículas de Deus, O Grande Arquiteto do Universo. E como muito apropriadamente, magistralmente disse, em trova, o grande poeta Augusto de Lima, em síntese cosmogônica:

    Há uma só lei da existência
    sob a esfera luminosa;
    partilham da mesma essência
    homem, ave, estrela e rosa.

    Daí, somos todos irmãos! Os ciganos também são nossos irmãos.

    Trecho da Obra de
    Asséde Paiva

    Rev.: Acir Reis


    sexta-feira, 10 de agosto de 2007

    Liberdade

    Spatzo (Vittorio Mayer Pasquale)
    Spatzo na língua dos Sintos Estrekárja significa "passarinho, pardal", um apelido que nos traz aquele senso de liberdade frequentemente relembrada por este poeta que, no decorrer da sua vida, conheceu momentos de intenso sofrimento. Através de suas poesias, diante das adversidades da sorte, Spatzo demonstra que soube conservar intacta aquela alma cigana, feita de coisas símples e imediatas.

    Liberdade

    Nós Ciganos só temos uma religião: a liberdade.
    Em troca dela renunciamos à riqueza, ao poder, à ciência e à sua glória.
    Vivemos cada dia como se fosse o último.
    Quando se morre, se deixa tudo: um miserável carroção ou um grande império.
    E nós cremos que naquele momento é muito melhor termos sido Ciganos do que reis.
    Não pensamos na morte. Não a tememos, eis tudo.
    O nosso segrêdo está em gozar a cada dia as pequenas coisas
    que a vida nos oferece e que os outros homens não sabem apreciar:
    uma manhã de sol, um banho na nascente,
    o olhar de alguém que nos ama.
    É difícil entender estas coisas, eu sei. Ciganos se nasce.
    Gostamos de caminhar sob as estrelas.
    Contam-se coisas estranhas sobre os Ciganos.
    Dizem que leem o futuro nas estrelas
    e que possuem o filtro do amor.
    As pessoas não creem nas coisas que não sabem explicar.
    Nós, ao contrário, não procuramos explicar as coisas nas quais cremos.
    A nossa é uma vida simples, primitiva.
    Basta-nos ter o céu por telhado,
    um fogo para nos aquecer
    e as nossas canções, quando estamos tristes.

    quinta-feira, 9 de agosto de 2007

    VIDA CIGANA - Materia Carta Capital

    Edição 350

    VIDA CIGANA

    por Pedro Alexandre Sanches. Fotos de Olga Vlahou
    Herdeiros de uma milenar cultura nômade, eles lutam contra o preconceito e pela cidadania
    "Somos a minoria das minorias, o elo mais fraco da corrente", afirmava pelos corredores de uma conferência sobre igualdade racial, na semana passada, em Brasília, o cigano curitibano Cláudio Domingos Iovanovitchi, de 48 anos.

    É fato: a delegação cigana só conseguiu levar a Brasília 25 representantes, que se diluíram numa população flutuante de cerca de 6 mil participantes. Dentro de uma forte maioria negra e mulata, distribuíam-se minorias de brasileiros descendentes de indígenas, caboclos, árabes, judeus, palestinos e... ciganos.

    A 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, note-se, era ocasião especial. A diluição dos ciganos se agrava se for considerada a população brasileira como um todo. Você, por exemplo, já viu um cigano em sua cidade, em seu bairro, em sua rua? Pode não ter visto, mas, segundo estimativas variáveis e pouco precisas, a população cigana estaria hoje entre 600 mil e 1 milhão de pessoas dispersas por todo o território nacional.

    Seja como for, algo de novo acontecia sob o céu azul de Brasília (e do Brasil). Pode ser fato a condição de minoria entre minorias (“aqui na conferência, somos nós os negros”, cravou o espanhol abrasileirado Gagu Emanuel Moreno). Mas a presença da delegação cigana numa conferência promovida pelo governo Lula, via Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), já era um sinal de que a população cigana do Brasil pode estar vivendo um processo inédito de descoberta e auto-afirmação.

    Outro sinal da saída incipiente do armário: principal porta-voz cigano na conferência, Cláudio Iovanovitchi é, além de integrante da Seppir, o presidente da Associação de Preservação da Cultura Cigana (Apreci), que há pouco começou a se articular no Paraná e já tem sedes em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

    Politicamente, ele encara o apartheid cigano como uma modalidade de preconceito racial: “Discriminação racial não acaba por lei ou decreto, só por geração de conhecimento. É preciso entender o outro, se colocar no lugar do outro”.

    A epopéia dos ciganos costuma ser pouco abordada publicamente pela sociedade. Em termos históricos, é nebulosa e em geral mal documentada, em parte porque seus dialetos não têm registro escrito, o que para alguns ciganos significa, paradoxalmente, trunfo de preservação de uma identidade fechada e exclusiva. “O dialeto é nossa arma. Não existe a língua escrita”, diz o delegado ambiental e estudante de direito Farde Estephano Vichil, 38 anos, cigano rom, de ascendência iugoslava, que preside a Apreci de São Paulo.

    A natureza nômade dos ditos ciganos dataria de cerca de 4 mil anos atrás, a partir da expulsão e diáspora de um povo originário de territórios localizados onde hoje ficam a Índia e o Paquistão.

    Estigmatizados desde então por alcunhas como “ladrões”, “desonestos”, “trapaceiros”, “imorais” etc., disseminaram-se de expulsão em expulsão por Ásia, Europa e, afinal, o chamado Novo Mundo, pelo qual espalharam também o fascínio externo por valores como exotismo, musicalidade, dons artísticos, sensualidade etc.

    No Brasil, as primeiras levas teriam aportado já em 1574, quando ciganos ibéricos ditos calons, expulsos de Portugal e Espanha, passaram a ser desterrados para a então colônia portuguesa. Iovanovitchi persegue as pistas de sua própria cultura: “Aqui, o cigano misturou-se com o índio e o negro. São as três etnias que têm mais dificuldades de inclusão social no País. Não fizeram quilombos porque não eram escravos, mas participaram fazendo escambo de quilombo em quilombo. Mais do que negros, os quilombos reuniam ‘bruxas’, hereges, ciganos, judeus. Nós girávamos, éramos as boas notícias que chegavam ao quilombo”.

    Ele não se furta a uma pitada de ironia: “Fazíamos o papel que hoje é dos Correios”. Escândalos políticos do século XXI à parte, sublinha o orgulho: “Nós fizemos o Brasil, nossa contribuição é inegável”.

    Até hoje, a maioria dos calons brasileiros vive em acampamentos precários, numa versão menos visível de Movimento Sem Terra. “O sem-terra vive nômade embaixo de tendas, mas sonha conquistar a terra. O cigano, não, ele está feliz embaixo da tenda, sem querer terra”, diz Iovanovitchi. Apesar de ter um ônibus-palco em que encena com negros e indígenas sua visão sobre a história do Brasil, ele é um cigano que estabeleceu residência fixa em Curitiba – em casa, não em barraca.

    É que Iovanovitchi pertence a outro subgrupo, chamado rom, de ciganos que migraram de diversos países do Leste Europeu, sobretudo no período entreguerras. Em outro flagrante da presença semi-invisível dos ciganos no mundo ocidental, é pouco citado o fato de que o nazismo promoveu não só o holocausto judeu, mas também o extermínio de ciganos (teriam morrido de 250 mil a 500 mil, segundo estimativas também imprecisas).

    Estigmatizados por sociedades que encaram com desconfiança sua personalidade nômade, os ciganos reproduzem internamente certos modelos de segregação e discriminação. Em geral, os calons seguem pobres e nômades, enquanto os rom tendem a fixar residência e progredir socialmente, quase sempre ocultos atrás da omissão da identidade de origem.

    Ciganos rom como Iovanovitchi e Vichil têm sido os primeiros a quebrar o muro de invisibilidade, preconceito e segregação persistente no Brasil. “Estamos atuando em prol dos ciganos nômades, que vivem em miséria enorme. Os fixos estão aculturados, embora nunca deixem de ser ciganos”, explica Iovanovitchi.

    Há personalidades mais atípicas entre os mais militantes, como a jornalista formada em letras e pedagogia Márcia Yáskara Guelpa, 64 anos, que, apesar da origem calon, vive fixa num bairro de classe média alta de São Paulo. Indiana naturalizada brasileira, é também muçulmana e, por convicção, “feminista e ateísta”.

    Márcia resume três reivindicações em torno das quais a Apreci pretende a princípio se assentar, e que condensam alguns dos problemas mais profundos dos ciganos: cidadania, educação, endereço.

    Devido a um misto explosivo entre marginalização por parte da sociedade e acomodação interna devida ao nomadismo e à vida precária, muitos ciganos nem sequer providenciam registro civil a suas crianças, que ficam sem acesso à educação básica, atendimento hospitalar etc.

    Outro militante atípico é Carlos Kalon, nômade que correu o Brasil e a América Latina como acrobata de circo, obteve alguma ascensão social e hoje vive numa casa na periferia do município paulista de Franco da Rocha. “Sobrevivo só por ser cigano: canto, danço, vivo da música e da arte cigana”, diz ele. “Parei aqui há dois anos, tenho de ficar porque tenho um filho na tevê (o menino Igor, que participa do programa de Raul Gil) e sou funcionário público (da prefeitura tucana da cidade). Aos 53 anos, pela primeira vez consegui um emprego sem preconceito.”

    Ele luta pela população calon de sua cidade, prestando cuidado e assistência a acampamentos como um de cinco barracas, localizado na divisa de Franco da Rocha com Francisco Morato, que foi visitado por CartaCapital. “Batalhamos para que os ciganos não percam sua origem”, justifica-se. Márcia Yáskara tem atuação parecida, salvaguardando um acampamento no município de Roselândia.

    “O que nós reivindicamos é essencialmente cidadania. Queremos que a sociedade saiba que somos diferentes, mas que nossas diferenças não sejam entendidas como desigualdades”, diz Márcia, que faz uma ponte improvável ao refletir sobre o porquê do avanço de mobilização cigana nesses anos Lula: “Acho que as paradas GLBT estão ajudando muito a nossa sociedade. Quando eles dizem do orgulho gay, suscitam junto o orgulho de negros, latinos, ciganos, de todas as minorias que querem ser menos discriminadas”.

    Há também representantes de gerações mais jovens e de um novo modo de pensar a identidade cigana. É o caso de Vitsha Nicolas Romano de Almeida, 21 anos, colega de Farde na faculdade de direito e secretário-geral da Apreci. Filho do casamento-tabu entre uma cigana e um não-cigano, Nicolas diz que até há pouco não revelava a ninguém sua origem.

    “Minha família dizia para eu não dizer. Todos pensam que cigano é ladrão de criança, apesar de que eram as mães que jogavam as crianças no rio e culpavam os ciganos”, afirma, citando contrapartida cigana à má fama de “ladrões de crianças”: a Corte portuguesa no Brasil teria verificado casos de mulheres ricas que escondiam gravidezes clandestinas por baixo dos vestidos e, ao parir, abandonavam os bebês em acampamentos ciganos.

    Nicolas segue: “Fiquei dez anos na mesma escola e poucos souberam que eu era cigano. Na faculdade começaram a saber agora. Não vou chegar e contar para alguém que nunca vi na vida. O que mais existe é perguntarem se não sou brasileiro, se sou estrangeiro”.

    Seu caso não é incomum. “Quem é empresário rico não está nem aí, mas os que dependem de vida pública, como artistas e políticos, restringem a informação sobre serem ciganos”, diz Farde Vichil. “Existem muitos ciganos que dizem que não são, mas quem é sabe reconhecer. Escondem para não ser alvos de discriminação. Se algo acontece no bairro, quem é o primeiro suspeito? O cigano, sempre.”

    Do hábito do armário emergem especulações sobre quem seriam os ciganos ocultos que desfrutam de boa posição social. Citam exemplos na sociedade brasileira (Cecília Meirelles, Fagner, Zé Rodrix, o trapalhão Dedé Santana, o palhaço Carequinha), poetas latinos (Federico García Lorca), até astros hollywoodianos (Charles Chaplin, Rita Hayworth).

    Um de seus orgulhos clandestinos é o de que o Brasil teria tido um presidente cigano:

    Juscelino Kubitschek. “JK teve de omitir que era, senão não seria presidente. Nunca fez nada por nós, também porque não fomos pedir”, diz Iovanovitchi.
    Embora raramente mencionada na historiografia, a afirmação tem o apoio de estudiosos como o geógrafo e historiador da Uni-BH e da PUC mineira Rodrigo Corrêa Teixeira e o antropólogo holandês Frans Moonen, co-autores de textos sobre a história dos ciganos brasileiros.

    “Os ciganos de Inconfidentes, em Contagem, preservam o relato oral de visitas de JK às comunidades. Ele tinha origem cigana, relacionava-se com eles. Quase nenhum homem cigano se auto-intitula. Num negócio financeiro com não-ciganos, é prejudicial se assumir”, diz Teixeira. “Juscelino só falava disso na presença de outros ciganos. Nunca se assumiu, o que é comum e acontece em todos os países. No Brasil, ainda não é bom dizer que se é cigano”, concorda Moonen.

    Consultado por CartaCapital, Zé Rodrix (co-autor de Casa no Campo, sucesso na voz de Elis Regina em 1972) respondeu assim à pergunta sobre sua origem: “Não sou, quem é cigano é o Wagner Tiso (músico ligado ao Clube da Esquina mineiro). Mas conheço bastante sobre os ciganos brasileiros e falo um pouco das duas línguas ciganas (romanês e calé). Tenho tias que se casaram com ciganos. Uma delas, minha tia Miosótis, foi literalmente roubada por meu tio Manoel, que depois voltou com ela para a família e se tornou sedentário, cigano apenas no nome”.

    Aparentemente pitoresco, o arco amplo de possíveis ciganos, que vai de García Lorca a Carequinha e de Juscelino a Chaplin, é significativo para ilustrar o grau de disseminação e dispersão de uma estirpe nunca reconhecida por seus próprios feitos e sempre estigmatizada por crimes espalhados “democraticamente” pela humanidade, mas dos quais se tornou bode expiatório preferencial.

    Não são só acampamentos precários nas periferias e ciganas cartomantes em praças centrais que são mal-entendidos e percebidos pela sociedade. Há comunidades de elite confinadas em mansões de bairros nobres como Alphaville, em São Paulo, e Taquaral, em Campinas.

    “Muitos rom têm casa construída, mas não se acostumam e montam barracas no fundo do quintal. Andam de helicóptero, têm mansões e dormem em barracas luxuosas forradas com tapetes persas”, testemunha Farde Vichil. “Há ciganos que montam mansões, mas continuam viajando para todo canto. Para o cigano, a casa não é o ‘lar, doce lar’, mas sim um investimento”, complementa Iovanovitchi.

    Zé Rodrix colabora com outra história: “Há ruas inteiras em bairros nobres onde só moram ciganos. A grande marca é o fato de as torneiras e maçanetas das casas serem de ouro maciço, para que possam ser levadas em caso de fuga emergencial”.

    A acumulação de riqueza em ouro é outro mito fortemente ligado à cultura cigana, perpetuado talvez pela aversão a valores capitalistas como contas bancárias.

    Na visita ao acampamento de Franco da Rocha, CartaCapital encontrou o lado mais desfavorecido dessa moeda. Mesmo vivendo em situação precária, em terreno emprestado por um proprietário particular, os adultos da comunidade têm, sem exceção, seus dentes frontais forrados com placas de ouro, que ornam em exuberância com as roupas de cores fortes, saias longas, lenços na cabeça e outros componentes da identidade visual cigana.
    O alto contraste entre precariedade e viço atravessa cada detalhe. Sem saneamento básico, o acampamento não tem água encanada nem banheiros. Vizinhos amigos emprestam tambores de água fria, com os quais se banham, e as necessidades fisiológicas são resolvidas no matagal atrás do camping de terra batida.

    Fiações expostas puxadas de postes vizinhos trazem às barracas espaçosas energia que abastece lâmpadas, tevês, aparelhos de som e até um frigobar, numa das residências. Na ausência de telefones próprios, os amigos dispõem do número do orelhão do outro lado da rua; mas vários dos habitantes possuem celulares.

    Separada, Rosa Alves Garcia, 35 anos, mora sozinha numa pequena barraca anexa à de sua filha, seu genro e seu neto. “Tenho fogareiro, mas não tenho dinheiro para comprar o bujão de gás”, diz, enquanto cozinha arroz e feijão, ao entardecer, em fogueira e panelas imaculadamente areadas. Por perto, vivem agregados o cão vira-lata Popó (que posa para as fotos junto à família humana), algumas galinhas e gansos (“para matar cobra”). A tradição nômade afasta os ciganos dos hábitos de criação de animais e cultivo da terra.

    Nas barracas maiores, convivem, num mesmo espaço sem divisórias, apetrechos de cozinha, equipamentos de dormitório e até, em alguns casos, automóveis (entre os quais um brasileiríssimo fusca amarelo) com que se transportam ao trabalho de pequenos comerciantes de feiras (os homens) e quiromantes (as mulheres).

    “Este povo que está aqui trabalha mesmo”, defende Santiago, 19 anos, filho do protetor do acampamento, Carlos Kalon. Músico que se prepara para cursar veterinária ou educação física, Santiago visita o camping uma vez por semana, a cavalo, para conferir se está tudo bem, se a polícia incomodou, se alguém está doente etc.

    “Tive um problema de coluna, a ambulância não veio me buscar. Fui dirigindo para o hospital”, conta o cigano Roberto do Amaral, 46 anos, ainda convalescente. O hospital a que se refere era particular. Evitados pela rede pública e sem qualquer convênio médico, não raro optam por custear seus tratamentos e consultas.

    Algumas das crianças do acampamento já ostentam carteiras de identidade, carimbadas com a distinção “não alfabetizado”. “A gente não pára aqui, não tem tempo de procurar vaga. Ou então procura, mas não acha. A gente pagava para um rapazinho dar aula particular, mas ele parou de vir”, conta um dos pais, Xexéu Pereira, 35 anos.

    Um documento que todos os adultos afirmam ter, e utilizar, é o título de eleitor. É o que diz o líder do acampamento, Euclides Pereira (o “Capitão”), 59 anos, sanfoneiro que nos anos 70 tocou com o Trio Parada Dura: “Votei no Lula”. Votará de novo? “Não sei, tem de pensar. Ele prometeu muita coisa...”

    Sua esposa, Elizete Moreira (a “Preta”), 45 anos, conta da lida de ler a sorte em público: “As pessoas têm medo, a gente fica envergonhada. Tem pessoa que maltrata, xinga, quer agredir até. A gente tem de sair de perto. A gente fica ouvindo que rouba criança, fica acanhada. Só ficam criticando, mas nós não somos aquilo”.

    Também nesse aspecto, o parentesco longínquo vai se colar às casas mais ricas, onde ciganas cultivam a quiromancia de modo mais estruturado, atendendo até artistas e políticos de expressão nacional. “Minha mãe lê mão, tem clientes que são empresários, pilotos de avião”, conta o futuro advogado Nicolas Romano. Demonstra-se, mais uma vez, que os ciganos se espalham por todas as classes sociais e ideologias. E passam despercebidos, em todas elas.

    Militante do movimento, a ministra da Seppir, Matilde Ribeiro, dá em Brasília testemunho surpreso nesse sentido: “Os ciganos vieram de várias partes do mundo, segundo eles, são pelo menos 600 mil no Brasil, e eu não os enxergo. Ou pelo menos não enxergava”. A ministra, assim como você, via os ciganos sem saber que os estava vendo.

    Iovanovitchi carimba o discurso de Matilde, avisando que a mobilização cigana vai crescer: “Vamos fazer ressuscitar a esperança, porque a esperança dos ciganos nasceu morta”. Refere-se a seus pares de infortúnio e discriminação, mas usa palavras que, em tempos de balbúrdia política e midiática, se poderiam estender aos brasileiros como um todo.


    Iguais e desiguais
    Minorias étnicas e culturais brasileiras encontram-se em Brasília

    Você não leu esta notícia em nenhum jornal, nem viu as imagens na tela da Rede Globo, mas a 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial terminou com uma cena rara: uma declaração conjunta pela paz e abraços calorosos trocados pelos representantes da Confederação Nacional Israelita (Sérgio Niskier) e da Confederação Árabe Palestina do Brasil (Farid Suwwan).

    Até então, a conferência se desenrolara sob a espreita de eclosão de conflitos entre os grupos judeu e palestino. Uma mesa de debates no primeiro dia terminara em bate-boca, os palestinos criticando o Estado de Israel, os judeus protestando contra a impropriedade da abordagem do tema num evento que versava sobre igualdade racial entre brasileiros.

    Após a leitura da declaração conjunta, Niskier colocou seu quipá na cabeça de Suwwan, que retribuiu o gesto repousando seu manto sagrado nos ombros do outro. Do palco do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, partiram gritos de “Brasil!”, ao que a plenária reagiu se levantando e cantando o Hino Nacional Brasileiro.

    Intermediadora da negociação, a ministra Matilde Ribeiro, da Seppir, foi até o púlpito e discursou aos prantos (em que era acompanhada por delegados, platéia, jornalistas, fotógrafos). “Minha maior aflição era saber se chegaríamos ao final com uma unidade de 100%. Esta é uma demonstração do Brasil para o mundo”, disse, antes de ir se abraçar a Niskier e Suwwan.

    Fecho privilegiado, o tríplice abraço judeu/árabe/afro-brasileiro coroava outros episódios inusitados, como o encontro, numa mesa de debates, entre uma norte-americana e um cubano.

    “Não é todo dia que posso estar num lugar assim e dizer que Cuba é uma vergonha para os Estados Unidos. Como um país pobre pode ensinar todos os seus habitantes a escrever? Nos EUA, isso é impossível, lá é preciso ser rico para aprender a ler e escrever”, afirmou Sheila Walker, da ONG norte-americana Afro-Diaspora.

    “Vocês, brasileiros, têm um presidente que reconhece a dívida da América com a África e pede desculpas. É impossível isso acontecer nos EUA, onde não há como termos um presidente que ao menos ache um negro bonito”, acrescentou Sheila.

    Tais choques culturais pacíficos eram, também, reflexos da Babel protagonizada por participantes trazidos à conferência de todos os estados do Brasil. “Durante o processo, todos os discriminados foram se encontrando na Seppir”, afirmou Matilde Ribeiro, não sem certa surpresa.

    As delegações haviam chegado inicialmente ressabiadas, fragmentadas em subgrupos de quilombolas, indígenas, ciganos, mães e pais-de-santo, caboclos da Amazônia, muçulmanos, árabes, judeus, militantes negras lésbicas, Mano Brown (líder dos Racionais MC’s, em passagem-relâmpago) e outros tantos.

    Inúmeros representantes vestiam-se de acordo com sua identidade primordial, ostentando garbosos turbantes africanos, roupas brancas de candomblé, cocares e tangas indígenas, túnicas muçulmanas, emblemas de Bob Marley etc. Aos poucos, minorias que pouco se comunicam umas com as outras descobriam semelhanças escondidas por trás de conhecidas diferenças. Dentro do espírito vigente da cultura fast-food de celebridades, causavam furor fotográfico e de autógrafos tanto astros pop como o cantor de pagode e apresentador de tevê Netinho de Paula como políticos como o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e a senadora e militante negra Benedita da Silva.

    No pólo dos “anônimos”, também ciganos e indígenas eram disputados por afro-brasileiros e muçulmanos para fotos conjuntas, e vice-versa. No terceiro dia, já eram comuns rodinhas unindo, por exemplo, uma mãe-de-santo, um indígena e u4m descendente árabe.

    A essa altura, um grupo musical lotava os corredores batucando músicas como O Canto das Três Raças (sucesso de 1976 com Clara Nunes). Eram muito mais que três raças presentes, e os ciganos o comprovavam ao mesmo tempo, causando correrias rumo às suas danças típicas.

    Assim como descendentes brancos de europeus eram franca minoria, também o era a mídia nacional – CartaCapital encontrava-se quase só, entre jornalistas estrangeiros e integrantes da imprensa alternativa.

    A sambista Leci Brandão abriu os discursos repreendendo Lula (na presença dele) pelos rumores de que a Seppir poderia ser extinta. No encerramento, puxou sob fortes aplausos o coro contrário à omissão da imprensa local, que chamou de “apartheid midiático”.
    Depois, completou: “No Brasil, infelizmente, a mídia é racista. Apesar de minha história, nunca tive uma capa de variedades nos jornais, nunca fui chamada ao programa de Jô Soares. É discriminação contra minha postura de mulher negra e politizada”.

    Mais tarde, ela integraria outro caldeirão de misturas, dividindo show de encerramento na Esplanada dos Ministérios com os pagodeiros do Fundo de Quintal, o grupo afro-baiano Olodum e os rappers Rappin’ Hood e Nega Gizza.

    Assim se encerrou a conferência, após discussões e articulações para promocer a marcha Zumbi + 10, em novembro próximo, em Brasília, e aprovar o Estatuto da Igualdade Racial, proposto pelo deputado Paulo Paim (PT-RS).

    Em tempo: um dos que do palco gritavam “Brasil!” para emoldurar a trégua entre judeus e palestinos era o cigano Cláudio Iovanovitchi. “Minoria entre minorias”, ele fora no último dia um dos mediadores mais atuantes da negociação que culminou na declaração conjunta pela paz.

    Marco da luta das minorias, a conferência, um apoteótico e promissor encontro de diferenças, evidencia as contradições brasileiras: como uma nação tão capaz de produzir tais eventos pode ser campeã de desigualdades?