quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Segregação ou inclusão?

Segregação ou inclusão?




Serafim Duarte, Militante , do Bloco , de Esquerda de Portugal

Erradicar as barracas e os bairros degradados, proporcionando condições de vida e de dignidade a todos, é, para além de um imperativo constitucional e uma obrigação do Estado, uma questão civilizacional.

Há uma semana, noticiava este mesmo jornal que o município de Pombal iria inaugurar um novo bairro social nas margens do Arunca, destinado em exclusivo ao realojamento de uma vasta comunidade cigana, considerada indesejável na cidade. As famílias ciganas reagem entre o júbilo e o protesto. Rejubilam por finalmente ter habitação condigna e protestam contra aquilo que consideram ser uma discriminação.

O novo bairro fica estrategicamente colocado fora da cidade, do lado de lá do IC2, sem ligação com esta. Até um túnel existente na zona terá sido devidamente encerrado. Assim se erguem os muros da segregação profiláctica e se fecham as pontes para a possível integração. Argumenta o presidente da Câmara que o realojamento deve evitar conflitos, pois haveria queixas contra a comunidade cigana.

A história da segregação dos ciganos é quase tão velha como a nacionalidade. Chegados a Portugal por volta do século XV, rapidamente seriam alvo de perseguições impiedosas em virtude do seu modo de vida e cultura diferenciadores. Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, vária foi a legislação anticigana que impunha aos homens o trabalho forçado nas galés e às mulheres a pena de degredo para as colónias de África e Brasil. Condenava-se o seu nomadismo, acusando-os de vadiagem, de se deslocarem em grupos e de praticarem furtos. A legislação procurou forçar os ciganos à sedentarização e consequente aculturação, tendo em vista a assimilação. Os resultados são conhecidos. Ainda hoje, muitas famílias ciganas persistem em manter as suas tradições culturais, onde avultam o dialecto romani, na Península, o caló, os trajes, as práticas matrimoniais endogâmicas, as solidariedades grupais e o reconhecimento da autoridade dos anciãos. A incompreensão, a discriminação e a segregação continuam como marca profunda na nossa sociedade.

Hoje como ontem, são os ciganos acusados de fomentar má vizinhança, comportamentos delituosos e marginalidade por vezes violenta. Estas são, aliás, acusações frequentemente feitas a outras comunidades, quer de origem africana ou de países do Leste quer de nacionais, habitantes de bairros económica e socialmente degradados. Os problemas de delinquência, marginalidade e violência não são uma especificidade de uma etnia, de um povo, ou de um estrato social. Exigem intervenção política e acompanhamento social a vários níveis.

O realojamento dos ciganos em bairros específicos, autênticos guetos, é o caminho mais fácil para alimentar a estigmatização e a exclusão social. Longe de diminuir a conflitualidade, antes a potencia, desde logo no seio das próprias comunidades isoladas. Pelo contrário, as práticas de dispersão por vários bairros facilitam a integração social destas comunidades.

Integrar não significa assimilar à força, mas respeitar a diferença no que ela tem de respeitável, compatibilizando-a com as exigências de uma vida moderna e de uma sociedade democrática. Desde logo é fundamental assegurar o direito à educação das crianças e jovens ciganos, apostando, nomeadamente, na formação e valorização de mediadores culturais, devidamente enquadrados e financeiramente apoiados. Igualmente importante é o acesso à formação profissional, ao emprego e, claro, à habitação, que tantas vezes lhes é negado.

serafim.duarte@sapo.pt