João Guimarães Rosa (1908-1967), médico, poeta, prosador, diplomata, poliglota.
Seu romance mais famoso é Grande Sertão: Veredas. Como coloca no romance duas ciganas: mãe e filha
Ele disse :
-Pesquisei estas duas, pois admiro e amo o povo cigano.
Em seu livro Pois é!, Nova Fronteira, 1990, Paulo Rónai, à página 21, nos diz que Guimarães Rosa ficou nos devendo a grande epopéia cigana, por ter partido tão cedo e repentinamente. Sabemos que Paulo Rónai era amigo do mesmo e deve ter ouvido confidências sobre ciganos.
Em Entrevista no Jornal o Globo em de 11/3/2006
José Luís Guimarães Rosa, irmão do escritor, lembra, emocionado, sua devoção às palavras:
Nota do Blog:
Os ciganos não predizem morte do consulente, só predizem coisas boas ou nos dão alertas. Ciganos querem dar alegria aos consulentes e dizem: “Uma grande fortuna o espera”; “Lindo moço loiro está a sua procura” (para as moças). “Você será seduzido por uma morena”; “Vai acertar na loteria”; “Cuidado ao dirigir veículo”; “Enfrentará uma demanda” etc.
Afinal, lêem a buena dicha, não mala suerte.
Em Grande Sertão: Veredas, as ciganas Nhorinhá e Ana Duzuza aparecem às páginas 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 49, 92, 93, 178, 290, 352, 367, 483, 485, 487, 488, e 491.. Em Sagarana, se nos apresenta um personagem que aderiu a um grupo cigano para aprender suas espertezas e depois passá-los para trás. Está no conto Corpo fechado, à p. 256; em Tutaméia são três contos: O Faraó e a água do rio; O outro e o outro; e Zingaresca.
Guimaraea Rosa conhecia muito sobre ciganos. Disto nos dá prova em suas estórias, porém, às vezes deixava-se levar por preconceitos arraigados contra este povo. E errava como todos nós erramos. Falaremos um pouco de seus devaneios em relação aos ciganos, começando por Nhorinhá. Esta cigana foi na verdade o grande amor de Riobaldo. Ele nunca a esqueceu.
Como no texto, em Grande Sertão: Veredas, a fala inicial sobre as ciganas é pequena, vamos transcrevê-la aqui. As transcrições estão em itálico (Ref. Nova Fronteira, pp. 31-33, 18ª edição):
Digo: outro mês, outro longe — na Aroeirinha fizemos paragem. Ao que, num portal, vi uma mulher moça, vestida de vermelho, se ria. — “Ô moço de barba feita...”— ela falou. Na frente da boca, ela quando ria tinha os todos dentes, mostrava em fio. Tão bonita, só. Eu apeei e amarrei o animal num pau de cerca. Pelo dentro, minhas pernas doíam por tanto que desses três dias a gente se sustava de custoso varar: circunstância de trinta léguas. Diadorim não estava perto, para reprovar. De repente, passaram, aos galopes e gritos, uns companheiros, que tocavam um boi preto que iam sangrar e carnear em beira d’água. Eu nem tinha começado a conversar com aquela moça, e a poeira forte que deu no ar ajuntou nós dois, num grosso rojo avermelhado. Então eu entrei, tomei um café coado por mão de mulher, tomei refresco, limonada de pêra-do-campo. Se chamava Nhorinhá. Recebeu meu carinho no cetim do pêlo — alegria que foi, casamento esponsal. Ah, a mangaba boa só se colhe já caída no chão, de baixo... Nhorinhá. Depois ela me deu de presente uma presa de jacaré, para traspassar no chapéu, com talento contra mordida de cobra; e me mostrou para beijar uma estampa de santa, dita meia milagrosa. Muito foi.
Mãe dela chegou, uma velha arregalada, por nome de Ana Duzuza: falada de ser filha de ciganos, e dona advinhadora da boa ou má sorte da gente; naquele sertão essa dispôs de muita virtude. Ela sabia que a filha era meretriz, e até — contanto que fosse para os homens de fora do lugarejo, jagunços e tropeiros — não se importavam, mesmo dava sua placença. Comemos farinha com rapadura. E Ana Duzuza me disse, vendendo forte segredo, que Medeiro Vaz ia experimentar passar de banda a banda o liso do Suçuarão. Ela estava chegando do arranchado de Medeiro Vaz, que por ele mandada buscar, ele querendo profecias. Loucura duma? Para que? Eu nem acreditei.
Somente em Grande Sertão, citou ciganas tão depreciativamente, tão injustamente. É pacífico entre ciganólogos que ciganas não se prostituem. É a lição de George Borrow (1803-1881), o inglês que falava mais de 100 idiomas, escreveu a Bíblia em romani (a língua dos ciganos) e viveu por muitos anos com os ciganos de Espanha. Ele nos diz em seu livro The Zincali (Os ciganos) que as ciganas são fiéis e jamais traem seus maridos. Temos também o depoimento do antropólogo Olímpio Nunes, autor do livro O povo cigano, onde se lê à p. 207: “A honra da cigana sintetiza-se em observar com reverência a lacha (pudor e castidade) do corpo, embora não reprove outras licenciosidades, como a da linguagem ou do gesto. A lacha, para uma cigana, vale mais que a própria vida [....] Entre as poucas obrigações de uma mãe de família (a daj), a primeira é incutir nas filhas a importância capital da lacha. [....]. Podemos dizer que é rara a prostituição feminina”.